Há duas maneiras de avaliar a candidatura presidencial de Simone Tebet (MDB), apresentada semanas atrás por uma coligação entre seu partido, o PSDB e o Cidadania.
A primeira é negativa. Seus adversários são, em parte, ativistas de uma das duas candidaturas postas desde o ano passado, Lula e Bolsonaro, para quem o ideal é que não se mexa no quadro atual, que já estaria favoravelmente definido para eles. Outra parte é composta por céticos radicais, para quem Simone chegou tarde demais e não tem fôlego para competir com os candidatos mais bem posicionados nas pesquisas eleitorais. É um ceticismo que se combina com a descrença no potencial de crescimento de Simone e com alguma dúvida sobre sua capacidade de pensar o País e propor soluções para o combate às suas mazelas.
Ao lado dessa rejeição, argumenta-se que Simone – assim como Ciro Gomes – impede que a eleição seja resolvida no primeiro turno, o que seria fundamental para a completa deslegitimação de Bolsonaro e a desmontagem de seus planos golpistas.
Nesse argumento, dorme um ceticismo pragmático, que não desmerece Simone, mas a vê como um fator de perturbação daquilo que é tido como estratégico: a derrota do autoritarismo. A ideia seria concentrar esforços para um desfecho logo na primeira rodada eleitoral, em outubro. Dado que o fundamental é derrotar o autoritarismo, não valeria a pena cogitar do fortalecimento de polos alternativos, que poderiam promover uma perigosa dispersão de votos e reforçar o polo bolsonarista, como aconteceu em 2018.
Esse ceticismo pragmático tem uma lógica respeitável, deve ser considerado com atenção. Afinal, não temos hoje uma disputa eleitoral simples, na qual o representante do autoritarismo esteja preliminarmente derrotado, tantos são os desacertos e os crimes cometidos por seu governo. Uma caneta na mão pode muito. E o perigo mora atrás da porta. Não devemos perder de vista o que há de risco de ruptura democrática no País. A candidatura Lula-Alckmin precisa ganhar mais musculatura, e Bolsonaro precisa continuar a ser constrangido a partir de múltiplas frentes.
Numa disputa polarizada como a que se desenha em 2022, a tendência é de uma forte magnetização dos polos, que tenderiam não só a atrair o eleitorado, como, sobretudo, a pautar o debate eleitoral, fazendo-o se concentrar na destruição recíproca dos adversários, mediante a utilização intensiva de recursos de marketing, ataques, denúncias e acusações do pior tipo. A dinâmica da disputa leva os polos a se agarrarem no contraste entre eles, fechando-se para temas substantivos. A decorrência é que não haveria debate político, ou ele ficaria dramaticamente empobrecido, com o que a incerteza sobre o futuro se ampliaria. Como e com quem governará o vitorioso? Que Brasil ele carrega no peito e na cabeça? O que promete fazer para reerguer o País? Suas promessas são factíveis, realistas, viáveis? Com qual programa econômico e com quais políticas públicas enfrentará os problemas nacionais? Como projetará o lugar do Brasil no sistema internacional?
Sem uma discussão eleitoral consistente e de qualidade, tudo ficará no campo das incógnitas. Nada saberemos sobre política econômica, reforma social, política, cultural, educacional, sanitária. O que mais se necessita em disputas polarizadas é de vozes alternativas, que furem os bloqueios derivados da polarização e forcem os polos a se posicionarem.
Candidatos como Simone Tebet e Ciro Gomes – cada qual a seu modo – cumprem um papel fundamental: representam uma oportunidade a mais para que o debate público se qualifique e o centro político se mostre mais progressista.
Isso não significa, evidentemente, que Simone e Ciro conseguirão crescer vitoriosamente. Ambos têm problemas de afirmação. Ciro é conhecido pelo destempero, Simone tem o tempo como adversário. Ciro está mais adiantado na formulação programática, Simone ainda não apresentou propostas consistentes. Terá de trabalhar dobrado para conquistar terreno.
A seu favor, Simone conta com baixa rejeição e com uma imagem positiva como parlamentar, ativa integrante da bancada feminina e da CPI da pandemia. Nas entrevistas que vem concedendo desde a sua indicação, demonstra conhecer o País e deixa claro que sabe discutir temas complexos com serenidade e tolerância, sem ocultar a indignação com a fome, a miséria, a exclusão, o desmatamento, o maltrato aos indígenas, o descaso governamental. Passa a impressão de que dispõe de garra, coragem e energia para olhar nos olhos do Brasil profundo, decifrá-lo e ajudar a reconstruí-lo. Pode não bastar para fazê-la crescer, mas é um trunfo e tanto. Se conseguir, por exemplo, deslocar Bolsonaro e passar para o segundo turno, a democracia ganhará alento.
Ainda temos cem longos dias pela frente antes de outubro. É um tempo estreito quando está em marcha uma dinâmica eleitoral com forte viés de cristalização. Mas hoje, no mundo complexo e acelerado em que vivemos, o tempo já não se dobra aos ponteiros do relógio, escapa deles e sempre se abre para surpresas desconcertantes.
saudações, marco. suas ponderações são mais do que pertinentes – neste momento em que qualquer ponderação ou crítica sobre as formas pra se enfrentar e derrotar, eleitoralmente, o atual presidente tornam mal vistos aqueles que não são petistas, mas qe já estão optando pelo sr.lula. eu já sei como o sr.malsonaro vai governar caso seja eleito. mas ainda não sei como ou com quem o PT irá governar ou quais são seus planos de curto e longo prazo para o país. ” A dinâmica da disputa leva os polos a se agarrarem no contraste entre eles, fechando-se para temas substantivos.”
100 dias passam voando…sejamos pragmáticos,seguro morreu de velho.