O erro de Moro

Under the Shadow of Mortality. A Pencil Painting. Drawing by Art Venti
Under the Shadow of Mortality. A Pencil Painting. Drawing by Art Venti
Atual ministro da Justiça fez um cálculo equivocado quando trocou Curitiba por Brasilia e ingressou no governo Bolsonaro. Com as conversas hackeadas agora divulgadas, expôs-se aos adversários e inimigos, de esquerda e de direita, que recrudescem os ataques a ele.

O juiz Sérgio Moro fez um cálculo equivocado quando aceitou ser ministro de Bolsonaro. Em vez de ganhar força para impulsionar a luta contra a corrupção e abrilhantar sua biografia, assinou um pacto com o diabo: mergulhou de cabeça nas armadilhas da política, sem ter o devido preparo para isso. Logo ficou evidente sua dificuldade para lidar com políticos, partidos e pressões.

Foi um erro provocado pelo desejo de inscrever o nome na história. O juiz deve ter achado que, a partir de Brasília e com o apoio do presidente, garantiria um fecho grandioso à carreira (o STF) e completaria o trabalho da Lava Jato.

Só que no meio do caminho havia algumas pedras. O governo Bolsonaro não aprumou, foi metendo os pés pelas mãos e criando atrito de forma generalizada. Moro, que havia se beneficiado de uma aura de “apolítico”, foi sendo arrastado pelo desgoverno. Passou a não ter respaldo político, perdeu prestígio e espaço. Seus adversários esfregaram as mãos, vislumbrando uma janela de oportunidade para dar o troco ou mesmo cogitar da revisão de sentenças. Nem sequer as alas duras do bolsonarismo correram para auxiliá-lo.

Além disso, a classe política, “empoderada” com os vazios deixados pelo Executivo, passou a monitorar os movimentos ministeriais. Contra Moro, em particular, ergueu-se uma barreira formada pelos adversários da Lava Jato, dos interessados em Lula livre aos preocupados em livrar a própria pele. Um desejo de “vingança” passou a conspirar contra o ministro da Justiça.

As conversas hackeadas entre Moro e os procuradores da Lava Jato dramatizam a situação e fornecem munição para que os ataques recrudesçam. O ministro terá agora de ficar dando explicações constrangedoras. As conversas não parecem ter força para fazer a roda da Lava Jato retroceder ou para desmanchar a montanha de provas, depoimentos e julgamentos que atestam o tamanho da corrupção no País. Mas soltam fumaça e levantam uma nuvem de suspeita difícil de ser dissipada.

No fundo, o erro originário de Moro explica a turbulência que atinge uma operação que se imaginava blindada contra os efeitos da política.

A Lava Jato nunca primou pelo respeito cego às práticas jurídicas consagradas. O ativismo que adotou esteve sempre sub judice. Conteve uma boa pitada de arrogância e senso de impunidade, mas foi saudado por parte ponderável da opinião pública como caminho adequado para contornar os meandros procrastinadores das instâncias superiores do Judiciário. A prisão em 2ª instância tornou-se a pedra angular do edifício erguido por Moro e pelos  procuradores do MPF. E Moro foi projetado para a glória, convertendo-se numa espécie de herói nacional. Inevitável que pouco a pouco fosse se deixando empolgar.

A Lava Jato conseguiu por a nu os desmandos, as arbitrariedades e falcatruas praticadas na arena pública por políticos e empresários. Tornou-se uma referência na luta contra a corrupção e seu papel positivo não pode ser menosprezado. Ela, no entanto, não pairou acima do bem e do mal. Para justiçar os políticos, seus operadores foram fazendo política contra a política, confiando no aplauso das multidões e, depois, no respaldo do presidente da República, que jamais se consumou. Bolsonaro, que também é político, não se caracteriza por ser criterioso na relação com amigos e inimigos.

Ainda é cedo para o réquiem da Lava Jato. Mas seus adversários e inimigos, políticos, empresários, juristas, advogados, de esquerda e de direita, irão se movimentar com mais determinação a partir de agora. Na falta de melhores recursos, encontraram nas conversas hackeadas um prato suculento. Que talvez termine por sacrificar Moro, mas que também indica o tamanho do problema institucional do País.

Toda idealização é burra, especialmente quando se trata de política, de justiça, de governo. As pessoas erram, e jamais deveriam ser postas num pedestal, como se fossem salvadores ou ídolos a serem reverenciados. Os que viram Moro por esse viés terão agora de parar um pouco para pensar. Não necessariamente para jogá-lo às feras ou enterrá-lo, mas para separar o joio do trigo, reconhecer o que houve de positivo em sua atuação no luta contra a corrupção e o que houve de exagero em seu endeusamento.

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5 anos atrás

Caro Prof. Marco Aurélio:

Achei muito interessante o viés de seu artigo. Adorei !

Abraços,
Vera

Márcia O S Martins
5 anos atrás

Gostei.

Manuel Cabral
5 anos atrás

Caro Amigo: brilhante do ponto de vista analítico e muito provavelmente correcto do ponto de vista sintético. Moro esteve mal mas possivelmente se não o tivesse feito não teria chegado onde chegou no desmantelamento (sempre parcial e temporário) da corrupção ao mais alto nível. Aqui em Portugal ainda não tivemos o nosso Moro nem com os defeitos. A grande maioria dos «corruptos de Estado», como lhes chamo e são muitíssimos, continua fora da cadeia e muitos deles nem sequer chegaram ao tribunal: 48 anos de ditadura e 45 de democracia, quase cem anos!, não chegaram para pôr um pouco de ordem nas polícias e nos tribunais, infelizmente! É muito provavelmente o mosso maior problema político: o antigo primeiro-ministro José Sócrates, que chegou a ser preso em Novembro de 2014 durante vários meses, quase cinco anos mais tarde ainda não chegou ao tribunal para ser julgado juntamente com dezenas de co-acusados… nem chegará tão cedo, temo eu!

Manuel Cabral
5 anos atrás

Correcção: Ainda não chegou ao tribunal!

Manuel Cabral
5 anos atrás

Caro Amigo: brilhante do ponto de vista analítico e muito provavelmente correcto do ponto de vista sintético. Moro esteve mal mas possivelmente se não o tivesse feito não teria chegado onde chegou no desmantelamento (sempre parcial e temporário) da corrupção ao mais alto nível. Aqui em Portugal ainda não tivemos o nosso Moro nem com os defeitos. A grande maioria dos «corruptos de Estado», como lhes chamo e são muitíssimos, continua fora da cadeia e muitos deles nem sequer chegaram ao tribunal: 48 anos de ditadura e 45 de democracia, quase cem anos!, não chegaram para pôr um pouco de ordem nas polícias e nos tribunais, infelizmente! É muito provavelmente o mosso maior problema político: o antigo primeiro-ministro José Sócrates, que chegou a ser preso em Novembro de 2014 durante vários meses, quase cinco anos mais tarde ainda chegou ao tribunal para ser julgado juntamente com dezenas de co-acusados… nem chegará tão cedo, temo eu!

Marcos André Petroni de Senzi
5 anos atrás

Boa análise.

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