Muitas vezes se tem a impressão de que o PT não está de fato empenhado em ganhar as eleições presidenciais de 2018.
Se estivesse, estaria buscando dar materialidade à “frente democrática e progressista” que intelectuais, ativistas democráticos e o próprio Haddad dizem querer constituir, mas que, até agora, não saiu do papel.
O PT nunca soube lidar bem com a ideia de “frente democrática”. É um dos problemas do partido, uma das nódoas mais fortes de sua trajetória. Sempre se indispôs contra todas as tentativas de unir os democratas e de trabalhar em conjunto com eles. Sempre desejou ser farinha de outro saco, diferente, a única capacitada para olhar pelos pobres e oprimidos. O sectarismo caminho junto com ele.
Se, agora, mostra-se disposto a mudar de posição, deve ser saudado e recebido de braços abertos. É do que mais precisamos no momento atual.
O desafio é imenso e só será vencido se houver concessões, serenidade e sinalizações claras. De todos, mas sobretudo do mais interessado.
Não é produtivo proclamar a intenção e pouco fazer para convertê-la em fato. Conversas com personalidades, suavização da linguagem da campanha e movimentos de repaginação simbólica, como a troca do vermelho pelo verde-e-amarelo, são úteis mas ajudam pouco, ou quase nada. Não chegam ao fundamental.
Se a ideia de união dos democratas contra Bolsonaro for para valer, Haddad tem de ir mais longe. Precisa abandonar a narrativa adotada até agora pelo PT, a do golpe, da perseguição ao Lula, do nós contra eles, da culpa dos outros, da manipulação da mídia, da completa inocência do partido. Precisa propor e organizar uma mesa de entendimentos com os setores democráticos de centro, de centro-esquerda e de centro-direita, dos social-democratas aos liberais, na qual, de modo aberto e transparente, seja acordado um programa comum para o próximo ciclo governamental.
Tal programa comum não poderá se concentrar somente na resistência ao autoritarismo encarnado na campanha de Bolsonaro. Pode partir dele e enfatizá-lo, mas precisa estabelecer com clareza mínima um plano de recuperação econômica, de reforma do Estado, de contenção dos gastos públicos. Precisa jogar fora ideias apressadas e pouco democráticas acumuladas pela cultura petista ao longo do tempo, como a do controle social da mídia e a da postergação da reforma da Previdência.
Terá de mostrar generosidade sincera, não instrumental, com os aliados que deseja incorporar à batalha contra Bolsonaro.
Não se trata de “fazer autocrítica” ou de bater no peito para pedir desculpas pelos erros cometidos, coisa que não acontecerá. Mas de mostrar humildade e intenção sincera de contribuir para que os democratas se aproximem entre si. De interagir com os adversários e com os que pensam de forma diferente não como inimigos a serem combatidos, mas como parceiros que merecem tratamento de respeito, sem qualquer rasgo de superioridade moral, sem vetos ideológicos ou programáticos, sem arrogância.
Se os democratas aceitarão o desafio é uma questão que só poderá ter resolução cabal depois que Haddad e o PT derem o primeiro passo, o mais decisivo.
Não adianta falar que todos os democratas estão “obrigados” a atuar contra o autoritarismo sem fazer gestos claros em favor dessa ideia, sem cortar a própria carne. Gestos que precisam começar pelo abandono de pretensões hegemônicas e pela incorporação de uma disposição clara de compartilhar passos e propostas com os eventuais aliados. Sem isso, será chover no molhado.
Manifestos de apoio e declarações de artistas não farão a pedra se mover em outra direção. Cabe ao PT e a seu candidato mostrarem que estão à altura da hora presente.
Faltam 15 dias. É um tempo escasso, que precisa ser aproveitado com coragem e grandeza de espírito.
Caso a operação seja rapidamente posta em prática, com sabedoria política e energia cívica, pode ser que se consiga reverter um quadro que parece a essa altura tragicamente consolidado.
Não compartilho das condutas e ideologias que o PT se transformou, todavia, fiquei maravilhada com suas colocações, pois seja qualquer linha política que o cidadão defenda é preciso ter um olhar apurado para identificar as fraquezas e humildades para aceitá-las sem a necessidade de culpabilizar a oposição!
Parabéns, professor!
Obrigado, Aline! Abraço
Acho bem difícil porque este ato demoraria muito a decantar e se tornar algo palatável nas redes sociais. O PT não chega nos grupos Bolsonaro neste ponto da eleição e vice versa.
Só um fato novo e forte noticiado.
Algo da força de uma “facada”, não efetiva obviamente. A tal facada deixou Bolsonaro “humano”, um “memento mori” passou na cabeça de muito indeciso e estas pessoas se lembraram que estão mais perto de morrer de bala perdida, latrocínio, etc do que ele esteve. Infelizmente o discurso no segundo turno seria difícil pra qualquer candidato. Não vejo outro tão mais capaz de ir contra esta onda. Mesmo se fosse Ciro, as pesquisas já indicavam uma redução da diferença no segundo turno. Esta história de frente democratica só teria utilidade no primeiro turno, ao modo que tentaram fazer com Alckmin.
As pessoas não querem candidatos falando o que eles querem falar, isto é a TV. Tempo de tv não fez a menor diferença. As pessoas querem ouvir o candidato dizendo o que ela quer que ele fale. Isto é Bolsonaro. O marketing mundial das campanhas progressistas ainda não conseguiram vencer este padrão. É um novo inimigo, com poderes dantes não enfrentados.
A única saída no momento é que a grande comunidade evangélica que hoje apóia Bolsonaro o perceba como mentiroso, que é o que realmente é. Se esta sensação de que eles, evangélicos estão do lado da mentira, ou sentirem se claramente enganados, isto pode ser revertido. A chance é bem pequena, mas eu só vejo está. A frente dos intelectos e democratas ajuda, mas sem esta linha de marketing de achar o calcanhar de Aquiles (Hitler), nada adianta.
Parabéns pelo artigo, é muito bem colocado.
Obrigado, Fernando. Nossas análises convergem. Abraço.
Caro Marco Aurélio,
estou de acordo com a ideia de constituição de uma frente democrática ampla e PROGRAMÁTICA, e entendo as condições que dificultam sua efetivação em tão curto tempo. A primeira e principal seria a resistência que as concessões produzem dentro do próprio PT. Haddad não tem força e legitimidade para, quase sozinho, propor tal pacto. É preciso apoiá-lo e fundamentá-lo. Tenho visto cientistas e comentaristas políticos dos mais diversos espectros convergindo nessa mesma direção. Não seria o caso de confeccionar um Manifesto/abaixo assinado de intelectuais e personalidade democráticas que apoie esse movimento e dê lastro a esse compromisso? Entendo que a composição de forças democráticas é fundamental tanto em caso de vitória quanto na provável derrota.
Caro André, há convergências várias, mas o PT precisa se movimentar. Adesões de intelectuais e manifestos não produzem votos. E, no prazo mais longo, precisam encontrar a devida tradução prática. O problema é que não há tempo para fazer isso, se a questão for eleitoral. As “costuras” necessárias para que se forme uma frente são complexas e demoradas, e não acho que haja um clima de “urgência” instalado no país. Abraço
Entendi. Mas eu pensava em um manifesto não em apoio a candidatura Haddad diretamente, mas em apoio a abertura da candidatura Haddad no sentido do que o senhor defende no artigo… algo pra quebrar as resistências do PT a esse movimento que implica consessões e revisões. Por isso precisaria ser feito por alguém de lá… Enfim, a essa altura, mesmo bem sucedidas, essas ações poderiam não alterar o resultado eleitoral. Talvez por isso, o PT prefira se agarrar em sua verborragia de hábito, o que é uma pena, pois a oposição ao governo do cavaleiro do apocalipse seria tanto mais forte quanto menos cindida. É uma pena que o partido pense que sua força está na nova matriz macroeconômica e na narrativa intransigente do golpe e não em suas políticas social democraticas bem sucedidas. Esse seria um ótimo ponto de convergência! Obrigado por responder! Abraços
Não há como imaginar o PT liderando uma frente democrática.
Esta via não é deles ! Querem a adesão apenas para passar a imagem de que estão fortalecidos. O PT tem um viés autoritario muito forte dificilmente aceitarão compor. A sociedade brasileira deu uma resposta é em torno dela que devemos nos unir para orgamizar o governo que está por chegar . Sempre a favor da sociedade !
Pode ser que vc esteja certa, Elaine. Mas em política sempre devemos considerar o que se acumula no longo prazo, com o qual se aprende. Dificuldades de troca de pele são enormes, sempre.