Pães, ruído e desrespeito

Exaustores da Casa de Pães Le Blé, em Higienópolis, São Paulo. Dez2019.
Exaustores da Casa de Pães Le Blé, em Higienópolis, São Paulo. Dez2019.
Ruído de padaria chique causa revolta no bairro de Higienópolis, São Paulo. Mercado mostra sua pior face.

O mercado a cada dia é mais onipresente na vida moderna. Não é diferente em São Paulo. Com sua grandeza e seu dinamismo, a cidade é um prato cheio.

Nos últimos tempos, espocaram por ela diversos cafés e padarias gourmet. Estão em toda parte, ajudando a redefinir a paisagem urbana e os hábitos gastronômicos. São símbolos de modernidade, que ganham novos significados e funções.

Um desses templos da panificação abriu as portas recentemente em Higienópolis, bairro chique, de alto poder aquisitivo e bastante adensado. Fincou-se ali, espremido entre edifícios residenciais.

O empreendimento atende pelo nome de “Le Blé – Casa de Pães” e consta que integra uma rede espalhada pela cidade. Apresenta-se como “restaurante francês moderno”. Parece coisa fina.

Por falha de planejamento, incúria ou desleixo, não prestaram a devida atenção ao entorno. Ocuparam um prédio de quatro andares e instalaram os exaustores no teto, a céu aberto.

Não são exaustores comuns, mas duas torres gigantes, duas bocarras vorazes a 5 metros das janelas dos apartamentos vizinhos. Delas sai uma toxina bem conhecida dos paulistanos: um ronco ensurdecedor, que martela o sossego e a paciência dos moradores das redondezas. Quando são ligados, é como se um avião decolasse. Um verdadeiro horror para quem mora por perto.

Nem é preciso dizer que a vizinhança se indignou. O assunto passou a frequentar as reuniões de condomínio e as calçadas. Choveram telefonemas ao Programa Silêncio Urbano (PSIU), da Prefeitura, consultas a arquitetos, a advogados e ao Ministério Público e, evidentemente, muitas tentativas de negociação com os responsáveis.

Passaram-se os dias e nada aconteceu. A revolta começou a gerar ações de boicote ao empreendimento. A indignação cresceu, pessoas passaram a falar em mudar de casa, outras ameaçam chamar a polícia.

O caso, que é corriqueiro em São Paulo, mostra duas coisas importantes.

A primeira é a irresponsabilidade de uma empresa que tem tudo para ser um sucesso mas que não tem ouvidos  para a poluição sonora, nem olhos para o meio ambiente. Não demonstra estar interessada em criar uma relação amigável e produtiva com os vizinhos.

A segunda coisa tem a ver com os efeitos potenciais da mobilização dos cidadãos, caso ela se mostre efetiva e resiliente. A faísca que move os moradores é a busca de sossego pessoal e familiar. Mas essa razão aparentemente “egoísta” traz consigo o embrião de uma postura cívica mais ampla: a da conquista da cidade, da valorização da convivência e da urbanidade.

São coisas que os negócios deveriam considerar sempre. Até porque podem perder dinheiro e prestígio.

Enquanto isso, cresce a expectativa de que os órgãos fiscalizadores entrem em ação e os proprietários ajam para resolver o problema. É muita agressão e muito desrespeito para que tudo termine em pizza. Ou em pão francês.

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3 anos atrás

Que estranho esse post. Moto nas proximidades do Le Blé e nem de longe observei esse alvoroço popular contra a casa de pães. Sou sindica em Higienópolis há 9 anos, portanto acabo tendo conhecimento dos aborrecimentos na coletividade. Tão pouco observei o alentado boicote, visto que o salão está permanentemente cheio. Local lindo, comida excelente. Eu recomendo a visita.

4 anos atrás

Em um país digno, à primeira ameaça de subir um trambolho desses nas janelas dos prédios, o poder público interviria e paralisaria a obra… Já aqui, tem-se que lutar e lutar pelo simples direito ao sossego… Muito triste.

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