Redes sociais são uma das marcas registradas da modernidade atual, especialmente quando associadas a tecnologias de informação e comunicação. Redes sociais virtuais, ou digitais. Ajudam a tornar o mundo melhor, mais conectado e interativo. Facilitam contatos, disseminam informações, criam cultura, valorizam e repõem as relações entre pessoas no centro da vida. Promovem ruídos e dissonâncias significativas, promovem o surgimento de comunidades inteligentes e ampliam as trocas. Fomentam a cooperação, a criatividade e a colaboração entre indivíduos próximos e distantes. Interferem no mercado, no Estado, no modo como se governa, auxiliando tanto o controle social sobre os governos quanto a democracia.
Estão, desse modo, contribuindo para que se plasme uma nova sociabilidade. Cujo futuro não sabemos qual será.
A humanidade, de resto, sempre trabalhou em rede, embora na maior parte da história isso esteve limitado territorialmente, ou porque não se sabia como chegar ao “outro lado” e nem se havia um outro lado, ou porque as fronteiras estatais funcionavam como filtros de contenção. Tais limitações implodiram nas últimas décadas, foram se desmanchando, depois de atravessarem um longo processo de questionamento, filho natural do capitalismo e de seu desejo incontido de conquistar o mundo.
Redes virtuais podem ser tóxicas. Espaços como Facebook, Twitter e Instagram podem criar dependência, alterar predisposições emocionais, impulsionar o extravasamento de ódios irracionais, extrair o pior de cada um de seus frequentadores – os monstros e demônios que dormem na alma de todos –, excitar sentimentos de superioridade, criar polarizações estéreis e afastar as pessoas da vida “normal”. Podem multiplicar a sensação de prazer, alienar, fazer com que venham à boca o fel da amargura e o sangue da vingança, com as devidas repercussões sociais.
A toxicidade das redes extenua e estressa seus usuários, afasta delas muitas pessoas, terminando por cobrar o preço da ressaca. Faz com que as redes corram o risco de perder o que têm de melhor e de serem abandonadas, ou menosprezadas.
A pós-verdade
Quando você, por malícia, ingenuidade ou boa-fé, dá destaque a notícias, boatos e fofocas com a expectativa de se mostrar bem informado e atazanar a vida daqueles que despreza ou que estão em um “campo” diferente do teu, você demonstra estar do mesmo lado dos que se dedicam a manipular fatos sem maior consideração para com a lógica, a razão e a verdade, fazendo assim com que demônios adormecidos acordem, aumentando a ignorância e a irracionalidade. Além do mais, você também contribui para dar materialidade fugaz a uma maçaroca de “interpretações” que pairam sobre a esfera pública, desorganizando-a.
Redes digitais são um ambiente por excelência para a manipulação grosseira dos fatos. A hiperconectividade, a nanotecnologia e as mídias sociais turbinaram as redes e fizeram com que o compartilhamento de informações e conteúdos se tornasse parte da vida cotidiana. Sem esse aparato, as fake news não podem proliferar em escala geométrica, como acontece hoje. A paranoia política, as teorias conspiratórias e as “narrativas alternativas” multiplicam-se a partir daí, explorando a seu favor o ambiente virtual, o ciberespaço. Robôs ajudam nessa operação, mas há humanos ativos que não só os fazem funcionar como também atuam diretamente, algumas vezes sob a cobertura de blogs e mídias tidas como alternativas, que vêm à luz sob o pretexto de combater o sistema e desmascarar a linguagem do poder.
Tal situação está hoje consolidada. Cada um acredita no que deseja e no que consegue projetar a partir de suas fantasias, de seus monstros internos, de seus ressentimentos e frustrações. Acredita-se em tudo e duvida-se de tudo. A chamada era da “pós-verdade” é precisamente isto.
A desmontagem desse quadro será complexa e talvez não consiga se completar. Somente avançará na medida em que avançar a educação e se formar uma nova cultura de massas, mais aberta à racionalidade, à cooperação intensa, ao pensamento crítico e à democracia. Em que escolas e salas de aula se dedicarem a discutir o problema e a forjar novos ambientes dialógicos. Ou seja, em que crescer uma dinâmica que “salve” as novas gerações e injete mais sentido às interações humanas.
Como a política – o sistema político, o mundo da política – está diretamente afetada pela manipulação, ela fica em dificuldade para impulsionar a desmontagem. Com isso, não se consegue ter boas políticas educacionais e culturais, crescem o desentendimento, a manipulação e a paranoia, assim como se reproduzem os que vociferam “novas verdades”.
Um círculo vicioso se fecha.
Tempos sombrios, hem Professor. Gostaria de ver ao menos o lume de uma lamparina, mas que também não consigo ver.
Esse país continua a passos de caranguejo e as redes sociais estão repletas de “verdades”, impropérios e monólogos.
Ética, educação e conhecimento é do que precisamos. Mas, como as novas e antigas gerações poderão se apropriar delas nesse país? Como reconstruir as instituições ?
Obrigado pelo comentário, Maria teresa. Reconstrução de instituições é sempre um processo complicado e de longo prazo, pois se liga à cultura e às gerações. Pessoalmente, sou otimista, mas nem por isso deixo de reconhecer, com realismo, que a nossa estrada será longa e acidentada. Abraço