A CPI da COVID está dando seus primeiros passos. Sessões tensas e movimentadas produzem elementos explosivos, que por certo causarão impactos generalizados, antes de tudo no governo e em suas bases de apoio.
Os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich foram as estrelas das primeiras sessões de depoimento da CPI. Ainda que com ênfases distintas, contaram uma história parecida: o Ministério da Saúde foi abertamente sabotado pela presidente da República, que fingiu dar autonomia aos ministros e fez o possível para neutralizar e desmerecer os planos por eles apresentados para enfrentar a pandemia.
Foram dois depoimentos distintos na forma e no conteúdo. Diferenças de estilo pesaram bastante.
Mandetta foi claro e eloquente, mostrou firmeza e segurança, não vacilou diante de nenhuma pergunta ou provocação. Jogou-se por inteiro na briga. Teich, por sua vez, reiterou a postura que marcou sua rápida passagem pelo Ministério da Saúde: contido, inseguro, nervoso, de poucas palavras, negando e desconversando mais do que afirmando, traços de uma personalidade fechada e circunspecta, oposta à exuberância e ao brilhantismo de Mandetta. Teich estava constrangido e parecia intimidado, Mandetta estava à vontade. Teich se lembrava de poucas coisas e fugiu das perguntas difíceis. Mandetta mostrou estar com a memória afinada e ter se preparado para o confronto. Sofreu muita pressão, deixou alguns pontos no ar, mas encarou o intenso fogo disparado pela bancada governista, que parecia temê-lo. Os governistas, ao contrário, foram mais amenos com Teich.
A maior diferença entre os depoimentos dos dois ex-ministros deve-se a coisas que vão além de estilos, personalidades ou controle dos nervos. Está associada à postura política de cada um e às “missões” que julgam ter na vida. Teich é um médico reputado, com conceito elevado como profissional. Mas é alheio à vida pública e à saúde coletiva, pouco sabia sobre o SUS e a dinâmica sanitária brasileira. Caiu de paraquedas no Ministério. Mandetta também tem formação médica, mas agrega a ela uma sólida trajetória política e muito conhecimento sobre o SUS. Mostrou ter capacidade de autocrítica e reviu posturas assumidas anteriormente, a começar da própria aceitação do convite para integrar o governo Bolsonaro. Mandetta não disse, mas ficou claro em seu depoimento que ao aceitar o convite ele acreditou na promessa de que teria carta branca para dirigir o ministério. Talvez não tenha avaliado bem o quadro no início, mas levou desaforos para casa e foi demitido por se contrapor abertamente ao presidente, assim que ele, o presidente, ensaiou a manobra irresponsável de empurrar a pandemia com a barriga.
Entre um ator tecnopolítico e um ator técnico a distância é enorme, sobretudo quando o ambiente que frequentam é categoricamente político. Uma CPI é uma reunião política, dedicada a produzir efeitos políticos e, eventualmente, a responsabilizar governantes e gestores públicos. Tem implicações políticas claras. Não é um encontro acadêmico, ou técnico-científico. De convidados, testemunhas e depoentes espera-se que forneçam elementos para um julgamento político.
Mandetta forneceu o que dele se esperava. Contou uma história com começo, meio e fim, indo além do próprio período em que ocupou o Ministério da Saúde. Deixou claro que sua gestão no ministério foi combatida e desprezada pelo presidente da República, assim que o coronavírus deu o ar da graça no Brasil. Foi uma marcação cerrada, com direito a caneladas e grosserias, que iriam se repetir quando Teich o substituiu. Mesmo Pazuello não escapou da fúria autoritária e ignorante de Bolsonaro, optando por uma obediência cega desastrosa. Mandetta saiu do Ministério com uma causa nobre a defender.
A CPI está mostrando ao País o caos em que estamos imersos, um caos provocado e saudado pelas áreas oficiais, que se regozijam com a perversão que praticam. Se seguir em frente, como se espera, a história brasileira dos últimos anos e o modo como estamos atravessando a pandemia ficarão expostos plenamente à luz do dia. Com as devidas responsabilidades e com os crimes que foram cometidos contra a população.
A CPI também está mostrando a fragilidade da bancada governista, e do próprio governo, que não se mostra minimamente capaz de se orientar no tiroteio. É vergonhoso que senadores da República – Marcos Rogério, Ciro Nogueira, Fernando Bezerra, Eduardo Girão – levem uma “cola” para intervir nas sessões, sem qualquer autonomia e sem capacidade de elaborar um pensamento próprio. Eles evidenciam o baixíssimo nível argumentativo e comportamental dos que apoiam cegamente a tentativa feita por Bolsonaro de governar o País. Sabujice explícita.