Cidade do barulho e da impunidade

Obra 2
Empreendimentos imobiliários atormentam São Paulo. Não obedecem nem sequer aos 'Parâmetros de incomodidade por zona' e desprezam o interesse dos cidadãos. É como se a vida transcorresse em uma zona de guerra.

São 19h. Momento em que a maioria dos moradores está se recolhendo. Início da noite, período de descanso. Só que não é bem assim nas áreas de São Paulo onde são levantados novos arranha-céus.

Como se sabe, a cidade está sendo verticalizada e em praticamente todos os bairros a construção de edifícios dá o tom à paisagem. Eles surgem como baratas voadoras, inesperadamente. Um belo dia, caem por terra imóveis “desvalorizados” e nascem empreendimentos apresentados como de luxo.

Há muitas implicações nisso. Prejuízo às áreas verdes, à iluminação solar, à circulação de veículos, ao meio ambiente como um todo. Depois de erguidos, os arranha-céus reconfiguram a cidade, espalham sombras sobre ela. Durante a construção, as obras são um tormento geral, mas afetam especialmente o silêncio urbano. Elas seguem em ritmo frenético, muitas vezes além das 19h (que deveria ser o limite estabelecido). Invadem a noite, emitindo sons ininterruptos bem acima dos decibéis suportáveis pelos moradores.

Acontece algo assim, por exemplo, numa mega construção que está sob responsabilidade da Yuny Incorporadora. Ela se localiza na esquina da Av. Angélica com a Rua Pará. Desde 2023, quando foram derrubadas as casas existentes na área (é um terreno de 1142 m²) e erguido um stand de vendas, o ruído tem sido constante. Agora, com a construção a todo vapor da torre de apartamentos de 25 andares, vive-se como se a região fosse uma espécie de zona de guerra. São dezenas de caminhões pesados e máquinas gigantescas que trabalham sem cessar a partir das 7h da manhã. Não há, a rigor, para os responsáveis, hora de encerramento das atividades.

Os moradores dos arredores enlouquecem. Alguns vão às janelas clamar, aos berros, por silêncio e interrupção dos trabalhos. Síndicos ficam sem saber o que fazer, têm dificuldades para interpelar a construtora, “negociar” um horário de trabalho mais civilizado. Há um quê de passividade cívica que vai ajudando a que a impunidade persista.

Há leis que deveriam regular tudo isso. Mas elas são feitas às pressas, seguem “Parâmetros de incomodidade por zona” bastante discutíveis e nunca levam em conta o interesse dos cidadãos. São leis feitas sob pressão dos interesses imobiliários e em nome da ideia de que a cidade não pode parar. Uma desgraça.

Para piorar, não há fiscalização e os controles são frouxos. A Prefeitura de São Paulo mantém o Programa Silêncio Urbano (PSIU), com a “missão de tornar mais pacífica a convivência entre os cidadãos, além de atender preceitos constitucionais”. O Programa fiscaliza estabelecimentos comerciais, templos religiosos e obras. Está assim no papel. Mas é quase inalcançável pelos moradores. E pouco se houve falar de alguma intervenção bem-sucedida.

Além de não haver fiscalização, há uma absurda falta de atenção dos poderes públicos e dos vereadores para com um problema que afeta diretamente a saúde mental da população. Que é uma prova de selvageria e falta de respeito. Que também mostra a irresponsabilidade de tantas empresas, que prometem residências com bom acabamento mas não levam em conta os estragos que produzem na vida urbana e o incômodo que geram aos moradores.

Em um ano eleitoral, como será o de 2024, seria de esperar que os candidatos ao cargo de prefeito da maior cidade do País dissessem algo sobre isso. Até agora, porém, nenhum deles demonstrou ter uma compreensão do problema e se dispôs a anunciar alguma medida ou proposta regulatória.

Com isso, o problema permanece, e se agrava com o passar do tempo.

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