Sou parte de uma geração que cresceu com uma noção longa do tempo.
Entrei na Escola de Sociologia e Política em 1969, formei-me em 1972 e comecei a nela dar aulas em 1973, no mesmo momento em que me tornei professor da PUC de São Paulo. Pude fazer isso aos 23 anos de idade não porque tivesse pressa (e muito menos por possuir talentos especiais), mas porque a universidade daqueles anos podia assimilar os jovens, monitorá-los e, ainda que nem sempre de modo planejado, prepará-los para a carreira acadêmica. Ingressei nos quadros docentes da Unesp em 1976 e fui Auxiliar de Ensino (MS-1) durante 7 anos, situação inimaginável hoje, quando a pressão da “ascensão” e da “produtividade” sobre os recém-formados chega a ser sufocante.
A universidade do início do século XXI tem pressa. Os jovens professores que contrata precisam estar formalmente “prontos”, regra geral com o título de doutor nas mãos. Ninguém deles se ocupa para prepará-los como docentes ou ajudá-los a ser melhores na sala de aula. O foco passou a ser a pesquisa.
Mas nem sempre foi assim.
Fiz meu doutoramento ao longo de nove anos (de 1974 a 1983). Não passei pelo mestrado, simplesmente porque nos anos que a ele programara me dedicar me entreguei à política e ao jornalismo e perdi todos os prazos regulamentares. Não era preciso ser Mestre ou Doutor para ser professor. A opção de ir direto para o doutoramento não foi propriamente uma livre escolha e teve de ser conquistada com algum sacrifício e um bom desempenho perante a banca da Área de Política do Departamento de Ciências Sociais da USP, que me autorizou a seguir adiante.
Na verdade, fui sendo treinado para ser professor universitário desde o terceiro ano da graduação.
O ingresso na Escola de Sociologia e Política foi um salto no escuro. Não sabia o que era o curso de Ciências Sociais e o que poderia fazer com ele. Filosofia, Lógica, Sociologia, Política, Antropologia provocavam-me demais, punham a nu minha ignorância e sobretudo meu despreparo; faziam-me lembrar a toda hora que eu fizera um colegial técnico (Senai), que me direcionara para carreiras eminentemente operacionais, não-especulativas; obrigavam-me a ter de me desdobrar angustiadamente para recuperar o “tempo perdido” e adquirir o conhecimento que não pudera acumular ao longo do ensino médio.
No segundo ano descobri a universidade. Inicialmente, descobri o marxismo na universidade. A minha foi uma grande turma, numa fase difícil da vida nacional. Ser de esquerda, marxista, quem sabe comunista, revolucionário, contestador, tinha seus riscos, mas era algo difícil de evitar. Comecei a acampar na Escola de Sociologia: ficava lá o dia inteiro, lendo e conversando, fazendo política estudantil, modelando a cabeça. Cristalizei nesse momento um hábito que me acompanharia até o fim da graduação. Fiz da Escola meu “escritório”. E lá, naquele ano de 1970, descobri a universidade. No ano seguinte, fui convidado para trabalhar como monitor de Sociologia Urbana e Industrial, a cuja professora responsável, Cecília Ornelas Renner, devo meu batismo de fogo acadêmico. Logo depois, um novo convite: monitorar a turma do primeiro ano, em Sociologia Geral (professor Antonio Gonçalves dos Santos). Abriu-se à minha frente o mundo da docência. Engoli dúvidas e inseguranças e mergulhei de cabeça. Terminaria o curso com os dois pés na Universidade: fui convidado para trabalhar na Escola de Sociologia e Política pelo professor Gonçalves e na PUC de São Paulo pelo professor Edgard de Assis Carvalho, com quem tivera aulas de Antropologia.
A etapa da graduação, portanto, foi pura descoberta: do marxismo, da política estudantil, da esquerda, da docência. Durante muito tempo eu ficaria me perguntando se aqueles quatro anos não haviam sido curtos demais para projetar um egresso da Escola Técnica Têxtil do Senai para o cenário das Ciências Sociais. Ao sair da faculdade, sentia-me tão pouco preparado para o novo mundo que decidi não me envolver com outra coisa que não fosse a docência, a preparação de aulas e o acúmulo de conhecimento. Naquele período, passava dias e noites mergulhado em livros.
Fiquei dois anos como professor da Escola de Sociologia e Política e da PUC. Da primeira, fui demitido, junto com outros colegas, por ter participado de uma greve por salário. Da PUC saí espontaneamente, por não conseguir me ajustar à rotina do Ciclo Básico e por ter sido seduzido pela ideia de “fazer jornalismo”.
adorei esse!
Obrigado. Pois é, fico contente com tua leitura. A descoberta da universidade é sempre uma revelação, como se fosse uma epifania, e creio que só ganhamos consciência disso mais tarde, depois de processar outras experiências. Beijo
Que alegria poder acompanhar suas notas biográficas, tão ligadas ao desenvolvimento das ciências sociais e da nossa Unesp. Espero, como sugeriu o Rodrigo Toledo, que possa reunir num livro, para que outros mais possam ler, aprender ou rememorar. Valeu!
Obrigado, Rodrigo. Não tenho segurança para pensar em reunir estas notas em um livro. Falo isso com sinceridade. Memórias e autobiografias são para pessoas grandes, singulares. Vou continuar soltando algumas notas no site, vamos ver onde vai dar. Abração!
Sublime este texto!!
Valeu, Gustavo!