Ao dizer que “bandidos de esquerda” começaram a voltar ao poder na Argentina, por conta do resultado das primárias eleitorais em que o peronista Alberto Fernández derrotou Maurício Macri, o presidente Jair Bolsonaro comete erros aos borbotões. Mostra inédita grosseria antidiplomática e completa ignorância em temas e posturas de política externa.
O impropério faz parte de uma fila de falas destemperadas do presidente brasileiro. Soma-se aos ataques verbais contra a Alemanha e a Noruega no bojo da discussão sobre o Fundo Amazônia e o desmatamento da região. Bolsonaro foi tão agressivo que só faltou mesmo dizer que Angela Merkel é uma perigosa inimiga comunista. Não se importou em descartar os recursos que os dois países europeus transferem para o Fundo. Posou de arrogante e queimou o filme do Brasil no cenário internacional.
Nunca foi razoável que se criem atritos entre Estados em função de disputas eleitorais próprias de cada país. A não ingerência em assuntos internos é cláusula pétrea nas relações diplomáticas, especialmente em termos retóricos, quer dizer, nos discursos e narrativas oficiais. Também não é lógico criar atritos com parceiros comerciais ou apoiadores estratégicos, como é o caso dos Estados que se preocupam com a agenda ambiental internacional. No mínimo porque as consequências são sempre negativas.
A Argentina, por exemplo, é um país fronteiriço, parceiro em atividades econômicas, comerciais, militares. Com ela o Brasil compartilha histórias e interesses estratégicos. Ambos os países passam por dificuldades e enfrentam múltiplos desafios no plano fiscal, econômico, político e social. Mastigam, mastigam, mas não conseguem digerir os males que os afligem. Deveriam cooperar e trocar figurinhas.
Que diabos há na cabeça de Bolsonaro ao hostilizar a Argentina e mexer com seus brios? E se Fernández for o próximo presidente do país? Pontes estarão estremecidas. Ele respondeu subindo o tom: Bolsonaro é “um racista, um misógino, um violento”. O clima azedou, e por certo as declarações não beneficiaram em nada a Mauricio Macri, que Bolsonaro considera seu aliado, ainda que entre a centro-direita de um e a extrema-direita de outro existam quilômetros de distância.
Tratar políticos de esquerda como “bandidos” só faz demonstrar a inaptidão democrática de Bolsonaro. Expressa uma discriminação estranha às regras do jogo da democracia representativa. É pura manifestação de preconceito e de vontade de posar de macho para fazer festa a seus seguidores mais fanáticos e obtusos.
Bolsonaro não conhece a fundo Alberto Fernández, que está longe de ser um “esquerdista incendiário” e tem uma biografia política muito mais complexa do que pensa a vã filosofia reacionária do presidente brasileiro. Não se trata de um clone de Cristina Kirchner. Tem dados indícios claros de ser um político equilibrado e com foco, coisas que faltam do lado brasileiro.
Seria muito melhor, mais adequado e mais inteligente que Bolsonaro cuidasse dos assuntos nacionais em vez de meter o bedelho onde não é chamado, intrometendo-se em assuntos que não lhe dizem respeito.
¿Por qué no te callás a tiempo, presidente?