A prisão do ex-presidente Michel Temer e de alguns de seus colaboradores mais próximos, embora fosse dada como certa e estivesse precificada, produziu um abalo adicional na já frágil situação política nacional.
Os indícios de que alguma ação os alcançaria eram fortes e claros desde o ano passado, ao menos desde a famosa conversa de Temer com Joesley Batista, dono da JBS. Encerrado seu mandato como presidente e sem poder apelar para o foro privilegiado, Temer era a bola da vez.
Paga o preço de uma longa vida pública, durante a qual fez como tantos outros políticos e tangenciou a linha da legalidade. Poder-se-ia falar em Caixa 2, em financiamento eleitoral por vias informais, em abuso de poder, não só em enriquecimento ilícito. O juiz Marcelo Bretas fundamentou sua decisão mencionando esquema de cartel, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, suborno e propina paga pela construtora Engevix para obter contratos na Usina de Angra 3, o que justificaria que o caso fique na órbita da justiça comum.
Os termos da acusação de Bretas foram pesados e contundentes. Segundo ele, as prisões preventivas eram necessárias para garantir a ordem pública, já que “uma simples ligação telefônica ou uma mensagem instantânea pela internet são suficientes para permitir a ocultação de grandes somas de dinheiro, como parece ter sido o caso”. O MPF-RJ foi além: “As apurações também indicaram uma espécie de braço da organização, especializado em atos de contrainteligência, a fim de dificultar as investigações, tais como o monitoramento das investigações e dos investigadores, a combinação de versões entre os investigados e, inclusive, seus subordinados, e a produção de documentos forjados para despistar o estado atual das investigações”. Os fatos apontariam “para a existência de uma organização criminosa em plena operação, envolvida em atos concretos de clara gravidade”.
A celeuma foi imediata. A prisão temporária teria respaldo legal, dada a inexistência de ameaça concreta por parte de Temer e dos demais? Temer pode ser culpado, mas não seria necessário que transcorresse o devido processo legal, com a apresentação de provas concretas e direito de defesa? Estaria havendo algum deslize no Estado de direito?
Abriram-se as portas para inúmeros cenários, nenhum dos quais tranquilizador. Fala-se que a as prisões refletem um movimento de pressão sobre Rodrigo Maia, que é ligado a Moreira Franco. Há quem veja a mão de Sergio Moro, que anda às turras com Maia e não tem acumulado muitas vitórias como ministro de Bolsonaro. E todos são unânimes em reconhecer que, com a decisão de Bretas, a Lava Jato mostrou que continua viva, pondo pressão sobre o Congresso e sobre o STF, que na semana passada tomou decisões que afetaram seriamente a operação.
Pode ser tudo isso e mais um pouco, a ser desvendado pelo andar das investigações e pela análise política.
Inevitável que a prisão tenha repercutido no Congresso, onde Temer tem muitos amigos e onde qualquer ruído soa sempre como um trovão. Por um lado, poderá facilitar uma inusitada aproximação entre oposição e situação, que incluiria do PT a setores do PSL, todos irmanados no combate à Lava Jato e na defesa dos hábitos políticos que são precisamente o alvo dos procuradores. Se Temer caiu, assim como Lula, o que dizer dos políticos comuns? Por outro lado, encarecerá o apoio dos parlamentares ao governo, algo crucial no momento em que propostas reformadoras começam a ser postas na mesa. A fraqueza do governo poderá ficar ainda mais evidente, dada sua carência de boas ideias e bons articuladores.
As prisões representam um novo capítulo na batalha aberta pelo MP e pela PF em favor de um ajuste de contas da Justiça com o sistema político. No momento atual, que é delicado e caótico, a melhor expectativa é que o batalha seja conduzida com altas doses de temperança, inteligência estratégica, republicanismo e responsabilidade cívica. Qualquer erro de dosagem e de procedimento nessa operação desorganizará tão profundamente o sistema político que comprometerá a própria atividade política.
O cerco judicial à classe política não produziu até agora nenhuma grande mudança de qualidade na política. Tem servido para mobilizar importantes setores da sociedade civil, mas não tem tido força para mudar a qualidade da representação. A desorganização que vem provocando contribuiu para que subisse ao palco tudo aquilo que estava na periferia do sistema, com as consequências que estamos vendo. Desse ponto de vista, a Lava Jato ainda está devendo e não há como saber se terá como contribuir de fato para promover a esperada requalificação política. Ela por certo não pode ser responsabilizada pelo caos que reina no País, mas pode fazer uma reflexão sobre si mesma, para que não termine por ajudar a substituir o que estava ruim por algo ainda pior.