No segundo semestre de 1974, ao mesmo tempo em que estava sendo demitido da Escola de Sociologia e me atormentando com as equipes interdisciplinares e a avaliação conjunta da PUC, eu havia me aproximado do jornal Opinião, semanário idealizado por Fernando Gasparian e que reunia jornalistas e intelectuais opositores do regime militar.
O jornal, que circulou entre 1972 e 1977, destacava-se como um dos principais periódicos da chamada “imprensa alternativa”. Publicava uma seleção semanal do francês Le Monde e textos de jornais e revistas estrangeiros sobre política, economia e cultura, além de artigos e reportagens sobre o Brasil. Vendia bem e repercutia, mas sofria implacável cerco da censura, fato que iria abreviar sua existência. A partir da quinta edição, a censura prévia entrou na redação do jornal e saiu somente 222 semanas depois, quando o jornal fechou as portas. Como Gasparian gostava de dizer, metade do material produzido ao longo da sua existência foi proibida pelos censores. A cada edição, para salientar o fato, a redação marcava os trechos censurados com uma tarja preta.
Opinião militou com firmeza na oposição, mas não era um jornal de partido. O pluralismo foi uma regra, assim como a visão crítica. O projeto gráfico de Elifas Andreato e grandes ilustradores (Luiz Trimano e Carlos Clemen, entre outros) davam a ele um aspecto de vanguarda que ajudava a chamar atenção e deixava o jornal ainda mais convidativo.
Foi uma importante fronteira da luta democrática daqueles anos. Fui convidado para escrever resenhas: fiz uma, gostaram, pediram outras. De repente, a redação inteira se demite: crise. Partia-se para um novo semanário, o Movimento. Fui junto. Mas também permaneci na nova fase do Opinião, envolvendo-me bem mais do que antes: por meio de Vladimir Herzog, que se tornara coordenador do jornal em São Paulo, recebi uma proposta para continuar com as resenhas. Aos poucos, fui-me tornando uma espécie de colaborador permanente do jornal, reportando-me diretamente à redação, no Rio de Janeiro. Entre fins de 1974 e início de 1976, escrevi praticamente todas as semanas. Depois, a colaboração diminuiu de ritmo, mas se manteve até abril de 1977, quando o jornal deixou de circular. Foram inúmeras resenhas, muitas polêmicas e cartas de leitores, diversos artigos meus censurados. Sérgio Augusto e Elice, que cuidavam da parte cultural do jornal no Rio, me escreviam sempre bilhetes explicando a ação dos censores: “38 matérias vetadas na íntegra esta semana, inclusive oito resenhas de livros”; ou “a barra está pesada, 60 matérias censuradas por semana”; ou “suas duas resenhas sobre os livros do Darcy Ribeiro foram premiadas pela censura”; ou ainda “não se assuste ao ver o jornal na próxima sexta: sua matéria foi contemplada com sucessivos e tormentosos cortes da Turma da Pilot, mas mesmo assim achamos que dava para ser publicada”.
Em 1975, eu dava aulas em Santo André e escrevia para o jornal, quando veio o assassinato de Herzog em outubro. O horror tomou conta dos ambientes políticos e intelectuais. Aquele foi um ano trágico para a luta das oposições. Muitas prisões e mortes tingiram de sangue as ações da “linha dura” da ditadura, pilotada naquele momento pelo general Ednardo D’Avila Mello, comandante do II Exército em São Paulo. O alvo seria então o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que defendia a luta política contra a ditadura, e do qual do qual Vlado era próximo.
Tudo somado, minha experiência no Opinião foi empolgante. Bem adequada para um recém-formado que precisava se afirmar para si próprio. Talvez por isso, aquele foi um período de “fúria metodológica”: julgava tudo (livros, autores, editores, leitores) por um metro altamente discutível, o da maior ou menor fidelidade ao método de Marx. Não havia livro que me satisfizesse: todos pecavam por faltas ou excessos, flertavam perigosamente com o “ecletismo”, eram insuficientemente totalizantes e dialéticos, e assim por diante.
Eu praticamente não levava em conta, nem valorizava, aquilo que mais tarde acabaria por se converter em princípio, ou seja, que tanto quanto fidelidades doutrinárias e rigores metodológicos, pesavam também os resultados obtidos e o efeito político do que se escrevia. Naqueles anos, eu agia como um monólito de convicções.
Seja como for, apesar da excessiva dose de dogmatismo e arrogância, os dois anos do Opinião foram outra descoberta: a do poder do texto – poder em especial sobre mim mesmo. Fiquei ainda mais fascinado com o escrever e o publicar. Comecei a me ver não só como professor, mas também como escritor, jornalista, crítico literário, editor.
Algumas outras coisas ajudariam a me empurrar nessa direção.
Primeiro de tudo, a oportunidade de colaborar na página de livros da Folha de S. Paulo. A página era editada por Wladir Nader e o jornal, dirigido na época por Cláudio Abramo. Lá também trabalhava meu amigo Gildo Marçal Brandão, que eu conhecera como professor da Escola de Sociologia e Política e com quem eu teria longa parceria. Escrevi muitas resenhas na Folha, entre 1976 e 1977. Embora mantendo o mesmo estilo que empregava em Opinião, iria aprender a me flexibilizar.
Depois, a livraria e a editora de Raul Mateos Castell, que fora meu colega de classe e uma espécie de “mentor” político na Escola de Sociologia. Decidido a montar uma livraria a partir da banca de livros que mantinha na FFLCH-USP e da experiência que acumulara na Livraria Brasiliense, Raul Mateos me arrastou com ele para o passo seguinte: organizar a Livraria Editora Ciências Humanas e, dentro dela, a revista Temas de Ciências Humanas.
O projeto era “simples”: difundir marxismo pela editora e promover o debate e a agregação dos marxistas pela revista.