Se o próprio presidente da República diz que o grande problema do Brasil “é a classe política”, um obstáculo terrível ao bom governo, o que será que lhe passa pela cabeça como solução?
Um sistema político sem políticos não faz sentido e o presidente deve conseguir compreender isso. Quem negociaria as leis, quem faria as intermediações e promoveria a necessária “circulação” entre eleitos e eleitores? Quem faria o que eles, os políticos, fazem? O presidente conhece o sistema, está nele há três décadas, beneficiou-se dele e gostou tanto que ajudou a promover a eleição de seus três filhos mais velhos, que também se tornaram homens do sistema. Nenhum dos varões da família se destacou, permaneceram todos na periferia, cuidando dos próprios interesses e se dedicando até mesmo a alguns trambiques, que agora veem a público.
Políticos são como o ar que se respira, não podem faltar. Quando de boa qualidade, revitalizam os organismos, ajudando-os a achar o rumo. Quando são ruins, intoxicam e paralisam.
Precisamente por isso, toda democracia que se preze deve conter mecanismos de permanente qualificação dos políticos, dos representantes, a começar da valorização da escola básica e do ensino superior até chegar aos partidos políticos, principais escolas de educação política, que respondem pela seleção de lideranças e candidatos, ou deveriam fazer isso.
Vê-se, assim, que o problema é maior do que “a classe política”.
O presidente poderia ficar tentado a da início à construção de um sistema político que, ao longo do tempo, se preparasse para se autoqualificar de forma permanente, reformando e atualizando seus integrantes. Isso, porém, esbarraria no fator tempo. O governo tem urgências, diz que não consegue governar com os políticos que estão aí, não pode esperar. Seu diagnóstico implica uma lógica terapêutica de outro tipo.
Esta lógica pode abrir-se em duas. Pode privilegiar a lei do silêncio e impedir que os parlamentares trabalhem valendo-se daquilo que os move, a palavra, o debate, a polêmica. Tivesse o governo uma bancada disciplinada, ela poderia promover balbúrdias sistemáticas para perturbar o trabalho parlamentar. A classe política seria represada e reprimida, mas continuaria a respirar.
Outra opção é decretar o fechamento das casas legislativas, instituindo uma ditadura explícita, uma ruptura institucional.
Acontece que, para fazer isso, o presidente necessitaria de uma inteligência tática e de apoios de que não dispõe. Seu núcleo é pequeno e não se caracteriza pela posse de ingredientes indispensáveis: uma elite brilhante, ideias claras, corpos sociais estruturados, brigadas de combate.
Nada disso, o bolsonarismo é antes de tudo um sentimento, que se alimenta da desorganização dos cidadãos, do ressentimento, da raiva, da postura anti-establishment, da sensação socialmente dada de que não se pode confiar nos políticos. É por isso que se dedica tanto a surfar nas redes, onde pode contar com robôs obedientes e passar a impressão de uma força que não possui.
O presidente por certo sabe disso. A essa altura, já aprendeu algumas coisas sobre o sistema que foi eleito para governar. Se não as está utilizando, é porque não se dedica o suficiente. Ou porque está alheio ao mundo que o cerca.
Um artigo notável que explica de forma luminosa o actual «impasse» político que o Brasil está vivendo na sequência do esgotamento do modo fechado, incapaz de se renovar após três mandatos presidenciais, como o PT se fez afastar do poder sem qq negociação nem alternativa. Em contrapartida, temo que a situação descrita nos deixe sem horizonte negocial de qualquer espécie no curto- e médio-prazo, não?
No curto e médio prazo estamos com problemas sérios, você tem toda razão, Manuel. A política está sem suficiente poder de reação, ainda que tenha melhorado.
Objetivo e preciso na análise, como sempre
Obrigado, Cesar! Abraço