Tenho vivido como um Ulisses, atormentado por sereias sedutoras, quase irresistíveis.
Sempre me deixei levar por tentações envolventes, que me arrebataram por igual e muitas vezes me confundiram. Apesar disso, não creio que tenha evoluído como um ser dividido. Hoje, considero que a tensão que me tem sido constitutiva como intelectual é a responsável maior pelo “equilíbrio” que julgo ter alcançado na vida profissional e pelo modo como se dá minha inserção no mundo das ciências sociais.
Minhas sereias apareceram sob a forma de dúvidas: ciências sociais ou jornalismo, universidade ou vida editorial, ciência ou política, intelectual acadêmico ou “executivo público”? Ao longo do tempo, os diferentes polos dessas opções foram experimentados, com idêntico interesse e paixão. Pensando friamente, não sei bem que desempenho efetivo apresentei em cada uma dessas frentes, mas estou certo que, em algumas delas, saí-me bem melhor que em outras. Tenho clareza, por exemplo, de que meu perfil nunca foi o do “executivo”, por mais que os anos em que atuei como dirigente (na Fundap, à frente da Editora Unesp e do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp) tenham sido altamente recompensadores: é que, nessas experiências, beneficiei-me do fato de não precisar ser um “executivo” típico, às voltas com tomadas cotidianas de decisão e possuidor de ascendência e comando sobre pessoas, processos e estruturas. Jamais pude trabalhar como diretor sem produzir e difundir ideias.
Tenho consciência, também, de que sempre fui fascinado pela elaboração de textos (meus sobretudo, mas também dos outros), o que talvez tenha me levado, em alguns momentos, a flertar com o jornalismo e a editoração. Ao longo da vida, editei muitos livros e artigos, fiz várias traduções, redigi muitas cartas, me envolvi com muitos jornais, revistas, redações, editoras e autores. Acabei por concluir que minha vida gira em torno de livros e textos. As tentações que me atiçaram ao longo do tempo acabaram por convergir todas para um mesmo ponto, terminando por se realizar como expressões de um interesse maior, dominante: o fascínio pela palavra.
Bem pesadas as coisas, terminei por me tornar uma pessoa da universidade. Talvez meio atípica, diferenciada, contraditória, não sei bem. Foi um conflito interno grande, repleto de descobertas, recuos, dúvidas e resistências. Nunca consegui, por exemplo, aceitar a parte negativa da cultura universitária (competitiva, formalista, cheia de simulações, falsidades e dissimulações). Mas nunca me deixei levar pela tentação de fugir da universidade por causa disso. Ao contrário, cresci e ganhei maturidade dentro dela, a tal ponto que não seria capaz de me ver em outro lugar. Envolvi-me com seus problemas, incorporei seus generosos valores e seus cacoetes, aprendi a respeitar as liberdades por ela concedidas e a assimilar suas artimanhas e armadilhas, muitas das quais chegam perto da crueldade e do desrespeito. Absorvi tudo isso, mas sempre de maneira inquieta e inconformista (intempestiva, às vezes), ou seja, procurando “provocar” a instituição, numa atitude que algumas vezes me levou a conflitos desnecessários.
A universidade tornou-se assim minha casa, meu ambiente, minha base de afirmação, identificação e realização. Mas com alguma distância “prudente”. Sempre tive dificuldade, por exemplo, de trabalhar em grupo; meu estilo sempre foi mais individualista, mais solitário, embora não tenha deixado de experimentar outros caminhos e nem me convertido em ermitão. Convivo razoavelmente bem com meus pares. Sempre me interessei pelos assuntos gerais da universidade e procurei participar de seus movimentos. Acho que não me furtei de assumir funções mais cansativas (chefias, assessorias, diretorias), mas com o tempo fui me desinteressando delas, assumindo que há coisas na vida universitária que me agradam bem mais do que outras. Se me fosse dada a possibilidade da escolha, ficaria quieto num canto, lendo, dando aulas, traduzindo e escrevendo.
A universidade, portanto, converteu-se em meu principal ponto de referência. Mas sempre me vi como um acadêmico “imperfeito”. No fundo, uma dúvida existencial nunca deixou de se repor: um cientista ou um homem de cultura, um scholar ou um animador cultural? Fiel a seus compromissos últimos, a universidade nunca me discriminou por isso.