A nova política dos jovens

Andrea Albonetti, Gioventù impetuosa
Andrea Albonetti, Gioventù impetuosa
Pautas identitárias e desejo de renovação põem a juventude paulistana em campanha

Vera Magalhaes acertou em cheio em sua coluna de hoje, no Estadão, quando constata que há um “degrau geracional” separando as candidaturas que disputam a Prefeitura de São Paulo.

É uma tendência geral, embora se manifeste de forma particular em cada parte do País. Está latejando forte na capital paulistana.

Guilherme Boulos, do PSOL, é o candidato dos jovens entre 16 e 34 anos, que formam uma massa numericamente expressiva e têm lhe dado impulso para ameaçar sobrepujar o atual prefeito, Bruno Covas (PSDB), na reta final.

Uma boa campanha no segundo turno explica parte da situação, mas não explica tudo. O decisivo é que Boulos está conseguindo falar com os jovens, que são sempre dispostos a contestar e buscar coisas novas, além de não gostarem de obedecer. Têm sido eles o motor de sua ascensão. Boulos não entrou nas periferias pobres da cidade, mas está bombando entre os jovens de todos os extratos de renda.

É compreensível que a campanha de Covas não empolgue a moçada mais jovem. O atual prefeito não é midiático, não se atirou nas redes, sua propaganda é fria, ele age como um executivo e, para complicar, é suscetível a muitas “lacrações”: sofre o desgaste de quem está no cargo, é ligado a Dória, o terrível, pertence a um partido considerado “velho”, tem um vice visto como problemático pelo reacionarismo. Até sua doença, um câncer em fase de remissão, é vista como fator de rejeição.

Covas vai bem entre os extratos de maior idade, mais “leais” e chegados à moderação. Seus votos estão distribuídos em todos os distritos da cidade. Mas, se os velhinhos decidirem não votar por receio da Covid, por exemplo, o prefeito poderá perder a eleição.

Segundo a mais recente pesquisa Ibope, realizada entre 23 e 25 de novembro, Covas lidera por 62% a 28% entre os que têm mais de 55 anos, ao passo que, entre os jovens até 24 anos,  Boulos está na frente (50% a 39%). O prefeito está numericamente à frente entre eleitores de todos os graus de escolaridade, com destaque para aqueles que estudaram até o ensino fundamental (53% a 32%). Covas segue à frente em todas os segmentos de renda. Entre os que ganham até um salário mínimo, ele tem 46% e Boulos, 37%. Entre os que ganham cinco mínimos ou mais, o placar é de 55% a 36%. Tudo somado, Covas tem 48% contra 37% de Boulos.

Os jovens querem movimento, dinamismo, novidade. Estão cansados da presença tucana em São Paulo, mas não consideram que, ao menos na capital, ela não tem sido formatada pelos interesses de João Dória. Não se preocupam em ligar a eleição paulistana ao futuro do País, ou seja, às urnas de 2022. Não parecem se perguntar, por exemplo, se a vitória de um ou outro candidato ajudará em maior ou menor medida a luta contra o bolsonarismo mais adiante. São majoritariamente contrários às baixarias e ao regressismo de Bolsonaro, não ligam muito para esquerda vs. direita, aderiram para valer às pautas ditas “identitárias”, tanto as de gênero, opção sexual e etnia, como também as ambientais, as da sustentabilidade, da cidade sem automóveis, da coleta seletiva do lixo, do consumo consciente. Tais pautas são o modo como agem no mundo.

É uma linguagem que não tem sido praticada pelos políticos. E que Boulos soube em parte capturar.

Os jovens de hoje não são militantes como foram os seus pais. Não querem saber de comandos partidários, ordens unidas, chefes e agendas rígidas. Engajam-se de modo tópico, seletivo, espasmódico. Não sacrificam a vida pessoal em nome de uma causa coletiva ou da glória de uma organização. Não se referenciam por líderes ou ideologias. São multifocais, abraçam várias causas simultaneamente. Seu ambiente são as redes sociais, sua maior ferramenta é a conectividade.

Numa época de crise da política e da democracia, a exigência de militância, de causas a serem defendidas, permanece. Mas os engajamentos são de novo tipo: estão mais próximos da “política-vida” do que da “política-poder”. É uma época com mais “coração” do que “cabeça” politica. As sociedades estão fragmentadas e individualizadas. Há um desencanto com as instituições.

Sem centros claros de coordenação, as partes (grupos, indivíduos, regiões) se afastam umas das outras e seguem lógicas próprias, ainda que, paradoxalmente, tudo fique mais conectado.

Em particular os jovens (mas muitos não tão jovens também) são social e culturalmente hiperativos, movem-se pela necessidade de se autoexpressarem e não são ligados a lutas por poder em sentido estrito. Olham torto para os políticos que só se preocupam em gerir recursos de poder e maximizar interesses eleitorais, que são rotineiros, previsíveis. Gosta-se mais daquilo que não se conhece.

Pouco importa que os mecanismos concebidos para a deliberação (um mutirão, um orçamento participativo, consultas populares) produzam resultados precários O importante é que sirvam para extravasar indignação, carências, desejos, opiniões.

O problema – sempre há um problema – é que o ativismo jovem pode não ser suficiente para que se consiga estabelecer equilíbrios e consensos que articulem um sistema alternativo. A nova “zona de ação política”, por ser pouco organizada e mais individualizada, estar marcada pela movimentação contínua, por pressões antissistêmicas erráticas, produz uma politicidade de outro tipo, cujo teor e formato institucional ainda estão por ser estabelecidos.

Não há, porém, muralhas intransponíveis separando velhas e novas formas de ativismo, que se cruzam e podem se combinar de diferentes maneiras, beneficiando-se reciprocamente. Se suas agendas contém distintas ênfases e questões, também estão repletas de temas que somente podem ser enfrentados com sucesso se se interpenetrarem e forem articulados em uma plataforma de síntese politica.

O novo ativismo pode ser uma importante alavanca de construção do futuro. Será isso, no entanto, na medida em que souber se articular com o “velho ativismo” e considerar o conjunto da experiência social e convergir para a reforma democrática da sociedade, do Estado e da politica.  Se tentar evoluir solitariamente, fechado em suas causas específicas e na busca de autoexpressão, produzirá ruído e efervescência, mas perderá em termos de efetividade.

A necessidade dessa articulação está posta pela vida. Afinal, o social que se fragmenta não desaparece como social. A dimensão coletiva da existência não se dissolve só porque a individualização se expande. Ainda continua a ser fundamental combinar ações e promover convergências.

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