A negociata do financiamento eleitoral

Juarez Magno. Monolito horizontal, óleo sobre eucatex.
Juarez Magno. Monolito horizontal, óleo sobre eucatex.
A ideia de aumentar o fundo eleitoral para quase 6 bilhões de reais comprova que se atingiu um nível extremo de deboche e irresponsabilidade

Já é bastante discutível a existência de um sistema político que prevê o financiamento público da atividade eleitoral dos partidos e de seus candidatos. Alega-se que esse é o preço que os cidadãos devem pagar para que a democracia funcione e frutifique.

Dá-se pouca importância, porém, a um efeito não desejável do dispositivo: os cidadãos não podem escolher o partido para o qual darão sua contribuição, terminando quase sempre por financiar a atuação de partidos com os quais não concordam. Paga-se para que candidatos se viabilizem nas urnas, mas não se pode controlar como as verbas são distribuídas, já que é o Congresso Nacional que decide a destinação do fundo eleitoral, com base na proporcionalidade da representação parlamentar. Há, assim, uma clara ação em benefício próprio.

No entanto, quando os parlamentares propõem a elevação do fundo eleitoral para quase 6 bilhões de reais, triplicando o parâmetro até então adotado, a constatação é que se atingiu um nível extremo de deboche e irresponsabilidade. Foi o que aconteceu no final da semana passada, no bojo da aprovação da nova Lei de Diretrizes Orçamentárias-LDO. A medida provavelmente não será implementada, mas só de ter sido apresentada já se vê como as coisas andam.

Deboche e irresponsabilidade porque não se deu qualquer importância ao estado geral da Nação, às voltas não só com dificuldades fiscais mas sobretudo com as exigências e os gastos do combate à pandemia. Converteu-se a política em um expediente para arrancar verbas e vantagens: um ambiente mais de negociatas do que de negociação. Despesas emergenciais e estratégicas foram sumariamente menosprezadas. Nem sequer se pensou na repercussão negativa que a decisão terá na população, já bastante indignada com o custo da política corrente, que cobra caro e entrega pouquíssimo, com direito a originar um Congresso composto por muitas nulidades, que se arvoram em representantes sabe-se lá do quê e de quem.

Pode-se argumentar que a decisão parlamentar foi uma manobra para “negociar” a obtenção de vantagens com o presidente, que terá agora de decidir se veta ou não a decisão congressual. Se for assim, o próprio presidente porá na mesa a sorte de seu mandato: preserva o cargo mediante pagamento por apoio. Os bolsonaristas, incluindo os filhos do presidente, votaram a favor da medida, o que reforça o argumento. Bolsonaro certamente desidratará a dinheirama, porque não pode perder mais pontos na opinião pública. Mas a negociata permanecerá.

É evidente que a democracia tem um custo. Sua força depende tanto de instituições e institutos que saibam defendê-la e valorizá-la quanto da educação cívica dos cidadãos, coisa que não se aprende na escola mas que passa por ela. O adequado, portanto, seria que a montanha de dinheiro que financiará disputas eleitorais quase sempre controladas por nichos de baixa qualidade fosse direcionada para aquilo que é fundamental para a saúde da população e a valorização efetiva da política e da democracia.

Aí vem o deputado Arthur Lira, presidente da Câmara, falar em “semipresidencialismo” como sistema de governo. A intenção é desviar o foco do impeachment. A ideia tem sido esposada por muitos políticos qualificados, como Samuel Moreira, e conta com apoios importantes. Pode ser útil para que se reduzam as constantes crises de governança e governabilidade. Concebida porém sem mais, sem ajustes e reformas, seria como se ter um sistema em que um Congresso fragmentado por uma miríade de feudos sem ideias se apresentaria para dirigir o País. Poder-se-ia chegar ao absurdo de se ter dezenas de bolsonaros governando.

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