O prefeito João Dória confirmou o que se tinha como certo e venceu as prévias do PSDB com 80% dos votos. Tornou-se candidato do partido ao governo do estado de São Paulo.
O processo foi doloroso e arriscado. As prévias nada acrescentaram, além de mais tensão e turbulência. Nem sequer houve um debate programático. Ficou claro que o PSDB tem dificuldades para encontrar um eixo de atuação e não consegue alcançar uma unidade propositiva que o revigore como partido. Há uma certa fadiga de materiais por ali, provocada tanto pelo longo período em que os tucanos governam o estado, quanto pela incapacidade demonstrada em renovar seus quadros e forjar a emergência de lideranças que atualizem o repertório social-democrata do partido, com o qual ele foi fundado e no qual encontrou identidade, ao menos durante um trecho da estrada. Hoje, o PSDB é uma vaga sombra do que já foi.
Não surpreende, portanto, que um político como Dória consiga nadar de braçadas no partido. Ele é um outsider, embora diga aos quatro ventos que é tucano de carteirinha. Fez um campanha vitoriosa e arrasadora em 2016, vencendo as eleições municipais no primeiro turno. Ensaiou uma candidatura à Presidência da República contra os caciques do partido, recuando quando percebeu que estava indo com sede demais ao pote. Pôs-se “à disposição” para concorrer ao governo estadual, como se estivesse atendendo a um chamado das bases. Mostrou que tem apetite desmesurado e que confia no próprio taco.
Em nenhuma dessas oportunidades, Dória apresentou ideias afinadas com a tradição social-democrática do partido. Seu bordão do “gerenciamento” e da “aceleração” jamais trouxe qualquer proposição substantiva. O foco sempre foi ganhar eleições, como se isso bastasse para valorizar a democracia e garantir boa governança. O máximo que fez, como na convenção estadual, foi se apresentar como um autêntico nome da “centro-esquerda”, com o que atritou o vice-governador Marcio França, cujo leque de alianças (PSB, PCdoB, PDT) foi por Dória definido como sendo de esquerda “pura”, coisa que se deveria rejeitar. Nem sequer se deu ao trabalho de lembrar que França e seu partido foram aliados do PSDB no estado, trabalhando juntos com Geraldo Alckmin. Sua ideia de “centro-esquerda” é imprecisa e não esconde que, por baixo do pano, corre solta uma proposta liberista (muito mercado, quase nada de Estado) empunhada por um político que tem um estilo e um grupo que pouco se remetem ao que o PSDB se propôs a fazer, quando surgiu.
Dória não é “culpado” por ter feito as coisas chegarem a esse ponto. Ele simplesmente se aproveitou dos espaços abertos, das fendas que passaram a ser exibidas pelas fortalezas partidárias. Entrou com tudo no PSDB, pondo a nu a fragilidade de sua estrutura e a baixa convicção programática da militância.
É um sinal dos tempos.
A questão agora é saber o que virá na sequência.
Fala-se que Alckmin terá dois palanques no estado, caso seja mesmo o candidato presidencial do PSDB. Poderia ser uma vantagem. Mas, para um candidato que já tem dificuldade de se apresentar com um programa unitário forte e que sabe que a sociedade quer reformas (de tipo liberal) mas quer também proteção e direitos (de tipo social-democrático), a existência de dois palanques pode ser mais um problema do que uma solução. Tendo de emprestar apoio a dois candidatos que digladiarão entre si, poderá sair de São Paulo com muito menos votos do que imaginaria. Se isso ocorrer, sua base eleitoral ficará enfraquecida, comprometendo o desempenho nacional.
No caso do governo estadual, Dória entrará na disputa sofrendo o desgaste do período em que passou na prefeitura de São Paulo, onde entrou como campeão e sairá como uma incógnita, que amarga uma sensível queda de avaliação de desempenho. O que na sua cabeça poderia ser visto como um novo “passeio”, repetindo 2016, poderá se traduzir em mais desgaste e frustração.
O quadro eleitoral paulista será reorganizado a partir de agora. Os candidatos terão de entrar no debate público. Alianças serão feitas ou confirmadas. Não é muita coisa, mas não deixa de ser uma oportunidade para que o eleitorado paulista reflita e decida, impondo aos candidatos um programa de ação que eles, até agora, não foram capazes de apresentar. Alguns por falta de tempo, outros por falta de interesse.