A ideia lançada nas redes pelo escritor reacionário Olavo de Carvalho de criar uma “militância bolsonarista organizada” é um passo à frente no movimento que elegeu e defende Bolsonaro.
Se, antes, se tratava de um vasto e impreciso estado de espírito – majoritariamente antipetista e preocupado em “regenerar moralmente a Nação” –, agora se deseja um bolsonarismo projetado como movimento político organizado.
“Notem bem – escreveu Olavo –, eu não disse militância conservadora nem militância liberal. A política não é uma luta de ideias, é uma luta de pessoas e grupos”.
Quer dizer, tropas ativas, financiadas e estruturadas de modo permanente, com atuação diária de ataque e defesa. Não só um partido, organização que atua nos limites da legalidade, como o PSL, mas algo que extrapola a política propriamente dita e se debruça sobre um arsenal de expedientes e armas de combate. Invariavelmente, o ataque privilegia as instituições, em particular as políticas, estatais, tidas como barreiras que impedem a regeneração almejada. Sozinho, Bolsonaro já barbariza bastante. O que acontecerá se contar com uma base mobilizada de pessoas dispostas a “morrer por ele”?
Dado o estágio cultural em que estão estacionados os seguidores mais fervorosos de Bolsonaro – entre os quais Olavo, um escritor que não se envergonha de praticar uma “filosofia” da borduna, da grosseria e do palavrão, se exibe dando tiros por prazer e agride a opinião pública protegido por um refúgio na Virgínia, EUA –, dá bem para imaginar o que seria essa “militância organizada”. A intimidação, que hoje flutua como uma sombra sobre nossas cabeças, seria certamente amplificada, esvaziando ainda mais o espaço público democrático.
Em outras circunstâncias, foi assim que cresceram as milícias fascistas e nazistas na Itália e na Alemanha, bem como outros simulacros de “camisas negras” pelo mundo.
Preocupada, a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP) denunciou a proposta de Olavo, acusando-a de tentar criar o “imbecil coletivo bolsonarista”: um agregado de inocentes úteis, arruaceiros, agitadores e fanáticos cegos para a realidade. Olavo não gostou, pois foi com essa expressão que ele viveu atacando as esquerdas.
A proposta assentou o tijolo que faltava para que o ambiente governista se aprofundasse numa trilha de miséria ética, política e intelectual, que reverbera os abalos que sacodem o universo dos apoiadores governistas.
Não precisamos de fascismos redivivos. Eles só servirão para assoprar as brasas de uma fogueira que nos queimará a todos, que nada produzirá de positivo nem sequer para o governo Bolsonaro, cuja unidade se desfaz a cada dia.
Como tem sido usual em Olavo, a proposta veio a público embrulhada em egocentrismo exacerbado, pobreza intelectual e irresponsabilidade cívica, ingredientes típicos de sua “filosofia da ação”.
Não é de crer que progrida. Mas o fato de ter sido apresentada e carimbada é de assustar.
Custa a acreditar nessa possibilidade mas não se pode excluir: não sob a forma de um grande «partido de massas», aliás forma de organização em decadência mundo, mas sim de «unidades de intervenção» com indicações práticas sobre o que fazer, o que seria trágico, especialmente num país violento como o Brasil. O processo em curso no Brasil é difícil de compreender mas parece cada vez mais certo que não será um processo pacífico, não acha? Sairá o presidente actual do poder como lá chegou se perder a eleição em 2022? Durará daqui até lá? Muito preocupante!
Preocupante mesmo, caro Manuel. Muito obrigado pelas seus sempre cordiais e generosos comentários. Vc entenderá que falei em “fascismo” num artigo circunstancial, escrito para provocar. Não sei se o conceito se aplica rigorosamente ao mundo atual, ou no Brasil em particular. No caso de Bolsonaro, falta um movimento de massas organizado, por exemplo, e ele mesmo, como chefe, é mais bisonho do que um Mussolini, e não tem o dom da oratória que muitos autoritários costumam ter. É uma figura opaca e creio que morrerei sem compreender bem como é que os brasileiros foram se deixar atrair por um tipo tão medíocre e bizarro! Se largará o poder caso perca as eleições de 22 é algo que dependerá do modo como for derrotado. Se isso acontecer mediante uma “frente de esquerda” puxada pelo PT, a confusão será enorme. Não acredito muito nas possibilidades de uma frente desse tipo, mas a política é sempre cheia de surpresas e é prudente não fazer prognósticos taxativos (com o perdão da redundância…).
Meu Caro… Sobre isso tenho, além de um esforço de trabalho de campo, uma iniciante reflexão. É que exponho nas linhas seguintes:
a- Bolsonaro é superdimensionado pela imprensa (que manteve a discussão sobre uma agenda de valores o favorecendo, evitando o público conhecer sua total ignorância sobre coisa pública, gestão e sua total falta de projetos de interesse público) e igualmente supervalorizado pelos que se auto-proclama esquerda no Brasil (falo do contingente majoritário que parte é um arremedo literário _ só de discurso e selfie para manter a imagem da personagem e de parte outra uma seita – vide os acampados de Curitiba);
b- O fetichismo conceitual da intelectualidade brasileira estabelecida e sua baixa contribuição para o esclarecimento e construções explicativas e interpretativas. O pensamento brasileiro está fossilizado em grande parte e ajuda muito a obscurecer e a mistificar a realidade. A dicotomia esquerda e direita é insuficiente para explicar e compreender o que está aí nas ruas. A intelectualidade brasileiras (no seu estamento superior) há tempos perdeu de vista a realidade (o chão das ruas e dos becos). A maior parte das intervenções produzidas são justificações ou defesas claras de posicionamentos e inclinações partidárias. Os intelectuais parecem estarem mortos. A morte de Francisco de Oliveira ampliou essa sensação;
c – Bolsonaro não é orgânico. Não representa nada de consistente em termos de força política. Ele é o que sempre foi: baixo-clero, um político paroquial. Ele venceu graças a insistência e vaidade de Lula que colocou para um plebiscito sua suposta inocência, ou Lula X Lava Jato. Um ato personalista que precipitou a composição de uma massa eleitoral formada por indignados (que estão para além da clivagem esquerda e direita) e o anti-petismo (formado por diversos segmentos sociais médios). Bolsonaro não ganharia e não ganha de ninguém, basta o PT não colocar a cara. Porque ele mesmo não tem projeto e nem nada politicamente que mobilize. Sua vitória é fruto da ocasião, da fortuna e nada de virtú. O voto em Bolsonaro foi a estratégia para barrar o PT que muitos setores ( heterogêneos) adotaram: agronegócio (arrependidos de primeira hora), bíblia, bala etc. Essas agendas, em grande medida, são de difícil convergência.;
d- o bolsonarismo é um arremedo do petismo (a outra face da moeda da vanguarda do atraso). Mas algo inconsistente, sem enraizamento, sem organização sistemática na sociedade civil. Por outro lado, reflete o mesmo artificialismo da rivalidade encenada pelo PSDB e PT ao longo dos anos pós redemocratização. O seu ideólogo é uma personagem: Olavo de Carvalho. Olavo criou sobre si uma personagem ao ver que tinha um nicho de desorientados, com vontade de participar mas sem um bandeira para segurar e sem saber fundamentar os seus discursos. Ele virou um coach dessa gente, que acaba gerando a “política” sem a Política. Essa “política” gira em torno de práticas baseadas em mistificações, passionalidade e personalismo salvacionista. A emoção como norte e rivalidade (inimigo) como motor.
e – A rivalização artificial e de mero projeto de poder criada pelo PT e PSDB, vejo aí uma das principais variáveis do quadro-situacional que vivemos. Pós a redemocratização as rotas do PSDB e do PT prejudicaram a constituição de um pacto político que superasse o concerto político autoritário, personalista e patrimonialismo que orienta os governos, estabelece o caráter de governabilidade e engessa uma governança renovada (pacto democrático ao centro). Não se caminhou para um aprofundamento democrático e republicando das nossas instituições. Isso foi agravado com as brechas institucionais criadas pelo desing de Estado produzido pela Constituição de 1988. Vide o sistema eleitoral e partidário e a anomalia que o STF é hoje, o que vejo como sintoma de um claro esvaziamento da Política. Estamos diante de uma vazio político, pois não observamos projetos claros e nem forças suficientemente mobilizadas a partir de projetos fortemente políticos (respondendo às demandas sociais e aos interesses públicos). Estamos sem opção política. Vivemos uma crise (pode ser entendida aqui no sentido gramsciano);
f – Vejo três riscos claros para a democracia. 1 – a incapacidade de formar uma priorização sobre o que é substantivo (democracia e república – para ampliar a mobilização de viés democrático e laico) e um agravamento da força da inércia no que tange a priorização do que é adjetivo (esquerda e direita). Porque isso favorece nitidamente o projeto de poder da “teologia” da prosperidade. Vide os movimentos de Edir Macedo e Silas Malafaia. Hoje o mais real risco à democracia e a república, porque são nitidamente contra a pluralidade, as liberdades e a laicidade. 2- O dogmatismo dessa esquerda que representa a vanguarda do atraso e sua renúncia tática de não fazer política (não existe nenhum projeto desse setor sobre reforma fiscal e tributária, reforma política, Educação etc) e seus esforços estão situadas no campo pantanoso de discutir costumes e valores segmentados – guetizando o que é para ser Diretos e não ficar restrito a um direito. Isso favorece eleitoralmente quem está no poder e a manutenção do debate onde melhor os favorece. A repetição do mesmo contra Bolsonaro favorece Bolsonaro. Soma-se a isso a mortal disputa de egos intra uterina dessa tal esquerda, que nada tem de racional e beira um caso clínico (psiquiátrico). 3 – A atrofia do protagonismo jurídico (e em menor escala o policial), onde todos os parâmetros de poder auto-regulado já foram invertidos e caminhamos a passos largos um descrédito total da mais importante corte do país. A insegurança jurídica é perigosa para a vida de qualquer democracia, porque tornam sedutoras as soluções autoritárias. A mandato vitalício já é uma exceção e não uma regra nos demais país. O STF precisa ser definido apenas como corte constitucional e não mais como ultima instância do Judiciário, tem que ser extinta as decisões monocráticas e qualquer possibilidade de legislar deve ser vetada, cabendo à corte definir o que é ou que não cabível constitucionalmente. Além, é óbvio, de criar parâmetros que assegurem uma composição majoritariamente formada por magistrados de carreira. O grau de partidarização e personalismo assumido no âmbito dessa corte já chegou a um patamar muito perigoso.
Enfim, a realidade mudou e muitos atores não perceberam. A realidade e o que está aí é algo bem maior e está para além de Lula e Bolsonaro (ambos estão hiper dimensionados). Há uma insatisfação real com as condições de vida e com a qualidade dos governantes, que ultrapassa as máscaras de esquerda ou de direita. É preciso restaurar o sentido do ideário politicamente liberal e o afastar desse ideário reacionário/mistificado e intolerante para mostrar o seu vazio e seu caráteroanti-política. real oportunidade de algo novo surgir, não força do destino e inevitável, mas só como possibilidade diante um futuro em aberto. Só a vontade e a capacidade de reunir tornará possível algo diferente e melhor do que propõem esses setores reacionários e anti-políticos.
Concordo com suas observações, Francisco. Estamos em sintonia. Obrigado pelos comentários, muito sugestivos.
Prezado Marco Aurélio, é sempre bom lê-lo. seja pela ironia fina ou pela provocação crítica. De fato devemos repudiar a farsa da “filosofia da ação” desses senhores. Entretanto nada os afasta da farsa lulo-petista que infestou a política real e não foi repudiada pela imprensa ou pela universidade. Bem a contrário, a universidade brasileira deitou e rolou no dinheiro fácil e nos concursos apadrinhados durante aa última década e meia, tornando-se um arremedo de partido político. Coisas opostas que não se justificam, mas que são a mesma face da miséria terceiro mundista que afasta toda tentativa de entendimento civilizatório entre nós. Obrigado por continuar desenhando o país com lucidez. Do amigo e admirador, que nunca embarcou na canoa petista, tucana, ou o que é o mesmo, udenista. Paulo
A sociedade um dia se cansará das farsas, caro Paulo. O problema é que isso poderá demorar. Difícil compreender como fomos cair numa arapuca dessas. Teremos de continuar o empenho democrático e civilizatório. Grande abraço
Adolf Hitler também era achincalhado em seus pronunciamentos pelos bares de Berlim na década de trinta. O vovo da serpente está sempre pronto e gerar TODO O MAL.
Verdade!
Vou encaminhar para uma das minhas filhas em Barcelona seu texto. Ela concluiu um master na universidade de Barcelona. O tema é: a esquerda e a extrema direita no Brasil . Focado na campanha eleitoral de 2018 de Bolsonaro tendo em vista o YouTube. Ela faz uma análise dessa onda de extrema direita que invade a Europa e latino América. Escrito em espanhol. Ela também escreve alguns textos de temas variados no medium.com/edinharojas tem Instagram e Facebook. Quem sabe um dia os caminhos se cruzam. Abs
Obrigado por isso, João. Espero ter mais notícias da pesquisa de tua filha, na expectativa de que os caminhos se cruzem. Estamos precisando disso. Abraço
Que se cruzem os caminhos, João! Só me dará prazer. Abraço