Diário do Confinamento 5:
Antes tarde do que nunca

Jan Cox. Iliad, The End. 1975.
Jan Cox. Iliad, The End. 1975.
O governo perde com a saída de Moro, um ativo simbólico importante. Agora, enquanto limpa as gavetas, Moro poderá esclarecer se sua aventura como Ministro da Justiça valeu a pena

Nunca foi bem compreendida a ida de Sérgio Moro para o Ministério da Justiça do governo Bolsonaro. O ex-juiz fez uma opção de risco, em nome da continuidade ampliada da “luta contra a corrupção e a criminalidade”. Contava com o prestígio de que usufruía e com uma carta branca que acompanhou o convite feito pelo presidente eleito. A opção seria tópica, funcional, sem maior afinidade com o ideário bolsonarista.

O convite teria sido aceito como algo que valorizava sua atuação no âmbito da Operação Lava Jato. Moro deve ter acreditado que, subindo ao Ministério da Justiça, seu raio de ação aumentaria muito. Junto com isso, quem sabe, poderia haver uma pretensão político-eleitoral ou ainda um prêmio pelos bons serviços, uma nomeação para o STF.

Houve dose grande de ingenuidade, se não mesmo uma conversão plena do ex-juiz, que parece ter se deixado seduzir pela “combatividade” exibida por Bolsonaro contra os “velhos políticos” e as práticas delituosas.

Nos meses em que ficou no ministério, Moro nada fez  que justificasse sua marca anticorrupção. Foi um ministro insosso, improdutivo, contradizendo o brilho com que chegou ao primeiro plano da vida nacional. A atrapalhá-lo juntaram-se a inexperiência política e o cerceamento a que esteve submetido, dia após dia, pelo presidente da República. Engoliu um sapo atrás de outro, sem contar com liberdade de ação e bons espaços de atuação. Foi omisso diante dos despautérios e ilegalidades de Bolsonaro. Além do mais, passou a ser visto como um quadro da direita extrema, perdendo o que havia acumulado de “neutralidade” e independência. Tornou-se ainda mais indigesto para amplos setores democráticos.

Na manha dessa sexta, 24 de abril, Moro anunciou sua demissão do cargo. Agiu motivado pela decisão presidencial de trocar o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, com o objetivo de obter informações privilegiadas dos serviços de inteligência, coisa que atingia a autonomia da PF e que Moro alegou não admitir. Ele afirma ter advertido Bolsonaro sobre a inconveniência da troca de comando na PF. “Falei para o presidente que seria uma interferência política. Ele disse que seria mesmo”, revelou Moro.

Os detalhes importam, mas não permitem que se avaliem os desdobramentos da situação. O governo perde com a saída de Moro, que era um ativo simbólico importante. Pode não perder muito, se der um tranco e passar a governar, a fazer política no Congresso, a agir com cálculo estratégico e serenidade. Mas não dá para aceitar que uma atitude desse tipo faça parte da natureza do bolsonarismo. O mais provável é que o governo continue a dar cabeçadas, a agredir adversários, a desrespeitar a Constituição e a desprezar a democracia. Em suma, a não governar.

Já para Moro, o cenário é visto como mais tranquilo. Ele estaria diante de uma estrada enorme de oportunidades. É apressado dar isso como certo. O juiz disse que se demitiu para “preservar a própria biografia e não contradizer o compromisso que assumiu de que o governo seria firme no combate à corrupção”. Não se deu conta de que a biografia havia sido conspurcada no início de tudo, quando aceitou ser ministro de um governo atrabiliário.

Antes tarde do que nunca. Agora, enquanto limpa as gavetas e ajusta a narrativa, Moro terá tempo de esclarecer se sua aventura como Ministro da Justiça valeu a pena. Poderá aproveitar e revelar se foi infectado pelo vírus do bolsonarismo ou pela ambição política desmedida.


No final da tarde da própria sexta-feira, Bolsonaro fez um longo pronunciamento de quase 60 minutos. O foco foi a tentativa de “descontruir” Moro. Lavagem de roupa suja, intrigas palacianas,  veneno e mais veneno encharcaram a fala presidencial.

A mim, o que chamou mesmo atenção foi a cena global, particularmente a fisionomia dos ministros posicionados atrás do PR. Ernesto, Ônix, Damares e Nelson Teich estavam com cara de velório, simulando seriedade.

Teich parecia distante, boquiaberto, procurando o foco. Ônix mirava uma paisagem indefinida, encoberta pela neblina. Ernesto, por sua vez, olhava fixo para o “mito”, embevecido. Mais atrás, querendo sair na foto, o deputado Hélio Lopes, o assim chamado “Negão”. Até o deputado Eduardo deu as caras.

Quando a câmera se afastou, deu para ver Paulo Guedes de máscara, sem sapatos, espremido entre os generais Ramos e Heleno. O ministro da economia parecia não querer se contaminar… Numa das extremidades, quase saindo do enquadramento, Teresa Cristina, ao lado dos generais Braga Neto e Mourão.

A cena é histórica, memorável. Nunca houve um agregado humano desse tipo. Retrato perfeito de um governo que entrará pelas portas do fundo na história, ou nem entrará.

Em São Paulo, o panelaço foi épico, intenso, cheio de indignação.

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