Além do número de mortes diárias, as notícias são péssimas para os paulistas.
O interior de São Paulo passou a superar a capital no ritmo da infecção e em óbitos. Prefeitos e governador mobilizam todo o estoque de iniciativas para ver se freiam a expansão. Até agora, com poucos resultados. Tentaram por meio da alteração no rodizio de veículos na capital. Não funcionou. Agora, feriados foram antecipados para que se forme uma longa ponte de dias em casa. Não dá para saber se funcionará.
Tenho me esforçado bastante para entender as críticas feitas a essa última decisão.
Elas oscilam entre o deboche pretensamente irônico e a resistência em nome do “preciso trabalhar” e consumir. Há também quem sustente que a medida é um tiro no escuro, pois incentiva a que as pessoas viajem para fora da cidade e carreguem o vírus consigo.
Há uma boa dose de egoísmo e oportunismo nas críticas. Quem não gosta de Bruno Covas e Dória está deitando e rolando. Os bolsonaristas uivam de raiva. Os sabichões de plantão mostram uma sabedoria superficial e se derramam em observações que nada agregam em termos práticos.
O fato é que a epidemia saiu do controle em SP. Foi o que reconheceu Dimas Covas, coordenador do Centro de Contingência no estado: “Estamos perdendo a batalha contra o vírus, essa é a realidade. Os dias que se seguem não são dias de feriado. São dias de luto”.
Dória fez um apelo para que os paulistanos não viajem nem saiam de casa durante os feriados. A ideia, que vem sendo martelada desde março, é reduzir a pressão sobre o sistema de saúde. Caso não funcione, o “lockdown” será inevitável, e será duro. “Precisaremos ver pessoas mortas nas ruas e calçadas?”, perguntou. Enquanto isso, foram montadas barreiras para impedir que turistas chegassem ao litoral. A questão foi para a Justiça. Caos, reclamações.
O governador também requisitou leitos e UTIs dos hospitais privados para os pacientes da Covid-19. As unidades públicas saturaram. O colapso do sistema é dado como certo.
Na cidade de São Paulo, as mortes se avolumam. Idem no estado, que já conta mais de 5,2 mil óbitos. Eles continuam a crescer, dramaticamente.
É duro constatar que a população ou não tem como aceitar a quarentena, ou simplesmente a ignora e boicota. É uma prova do déficit que temos em termos de relacionamento entre o Estado e os cidadãos. Os governantes falam e os governados vão em outra direção. Falta algo, vocês não acham? Não é só comunicação política. Mas representatividade, desejo de independência, individualização, desorganização política, cegueira cívica. Coisas demais.
Não deveríamos relativizar, nem ironizar. Brincadeira tem hora. Solidariedade também. Oponham-se a Dória e a Bruno Covas, mas procurem compreender o que se tenta fazer. Pode ser que nada dê certo. E aí teremos de enterrar nossos mortos carregando a culpa por não termos tentado.
Excelente artigo, professor. Realmente, há coisas muito difíceis de compreender. Não sei onde vamos chegar com tanta falta de compromisso. Esperava mais das pessoas.