7 de junho, 2020. Foi um domingo de manifestações. Em várias capitais, com destaque para São Paulo, Rio, Brasília, Porto Alegre e BH. Foram atos eloquentes, ainda que não propriamente de massa. Mostraram uma das faces da sociedade civil brasileira, que saiu do silêncio. Falaram contra Bolsonaro, contra o racismo, pela democracia, pela vida, pela justiça social. Reverberaram o que acontece no mundo a partir dos Estados Unidos. O peso simbólico foi expressivo.
Refletindo o espontaneísmo dos manifestantes, houve dificuldade para que se unificassem as diferentes pautas e agendas. Todos eram pela democracia e contra o governo, mas flutuava no ar a sensação de que se desejava protestar contra “tudo o que está aí”. Contra o racismo, a violência policial, o assassinato de Mariele, os burgueses, a política indigenista, a crise da cinemateca, os fascistas. Ficou a impressão de que falta algo para que as ruas desaguem num campo comum e funcionem como efetivo recurso de pressão.
Não houve confrontos, nem pancadaria generalizada, nem aceitação de provocações. Máscaras foram usadas por todos, mas aglomerações ocorreram, como seria inevitável. No começo da noite, um pequeno bando resolveu peitar a PM em São Paulo e quebrar algumas vidraças. Levaram umas broncas, enfiaram o rabo entre as pernas e se recolheram. Como disse o coronel Álvaro Camilo, secretário-executivo da PM em SP, “a grande maioria fez o ato e foi embora para casa. Porém, um pequeno grupo, que não considero manifestantes, são meia dúzia de vândalos, que querem confrontar a polícia após um ato bonito e democrático”.
Os bolsonaristas ficaram para lá, os democratas para cá. A polícia acompanhou tudo a uma distância prudente e chegou até a negociar com os manifestantes.
A democracia saiu ganhando.
Tão importante quanto as manifestações foi o debate coordenado por Miriam Leitão na Globo News, na parte final da tarde. Ela reuniu Fernando Henrique Cardoso, Marina Silva e Ciro Gomes. Na conversa, os três políticos demonstraram grande convergência programática e de disposição em prol da igualdade, da democracia e de uma economia sustentável, na qual o trabalho e o meio ambiente estejam articulados com uma estrutura produtiva aberta para as pequenas e médias empresas.
Foi uma oportunidade para que ficasse mais palpável a formação de uma frente que reúna o centro, a direita e a esquerda em torno da democracia. Evidenciou-se que diferenças de ênfase, de estilo, de projetos políticos e pessoais podem ser ultrapassadas, como um imperativo categórico: trata-se de defender a Constituição, a democracia e a composição de um governo que governe sem belicosidade, criando problemas e atritos com todos, deixando a epidemia sem uma política nacional de combate. “O passado ficou no passado, agora temos de unir forças”, disse FHC. Ciro aplaudiu: “ninguém vai entender a superficialidade de qualquer um que não cumpra a tarefa de proteger a democracia”. Foi seguido por Marina Silva, que ainda foi contundente ao dizer que Bolsonaro e o ministério da Saúde praticam “pedaladas pandêmicas”, motivo para que o presidente seja arguido no plano da responsabilidade.
Todos os três foram enfáticos na apresentação de seus pontos de vista e na explicitação da necessidade que o País tem hoje de uma união dos democratas. Fazia tempo que não se via tal disposição democrática para desatar o nó que impede o País de respirar.
Tudo somado, as ruas e a democracia trocaram um abraço eloquente no domingo.