O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, devolveu à Presidência da República a medida provisória que alterava o Marco Civil da Internet e dificultava a remoção de conteúdos inadequados das redes sociais.
Foi uma nova derrota do presidente Jair Bolsonaro, ainda digerindo o mal-estar que se seguiu ao 7 de setembro.
Bolsonaro sentiu o golpe e tentou amortecê-lo: “Não precisamos regular isso aí. Deixemos o povo à vontade. Fake news faz parte da nossa vida. Quem nunca contou uma mentirinha para a namorada?” — tascou, na lata.
Falou como quem pouco se importa com a circulação ampliada de mentiras e difamações, algo que, no mínimo, macula a ideia de República e de civilidade. O presidente confunde mentiras à namorada com desinformação pública, mostrando bem que, para ele, a República não é o reino no qual prevalece a res publicae e os negócios públicos são desenvolvidos segundo normas e critérios que não se dobram aos negócios privados. A República, na sua concepção, nada mais seria do que um arranjo no qual nada se fixa como regra para os cidadãos. Não haveria liberdade a não ser para os que apoiam o governo e precisam ser mantidos nessa posição mesmo que à custa de fake news.
Mentir é pecado capital para um governante republicano. Até mesmo para a namorada. Dele se espera o mais categórico respeito à verdade, às leis e à lisura dos atos públicos.
Principalmente porque homens públicos devem atuar para informar a população, educá-la, dar-lhe exemplos dignificantes e prepará-la para a vida em comum. Nada disso se consegue com boatos espalhados para tumultuar o ambiente e gerar insegurança nos cidadãos, produzindo situações de caos e confusão. A distorção de uma informação estratégica – por exemplo, sobre uma vacina ou o uso de máscaras – produz estragos seriais, pode comprometer toda uma campanha de imunização. Vimos como isso ocorreu no Brasil de 2020 para cá.
Pai da ideia original, na Roma clássica, Cícero afirmou que todo governante republicano somente seria legítimo se obedecesse a um conjunto de obrigações políticas. Caso as descumprisse, poderia ser deposto. Entre as obrigações estariam o amor pela verdade, o comportamento justo e a obediência à Constituição, coisas que, para ele, definiriam a conduta virtuosa de um governante.
Da Roma de Cícero aos dias de hoje muitas mudanças ocorreram e o mundo atual é completamente diferente. Mas as palavras do tribuno romano permanecem válidas. Indicam uma espécie de conduta mínima para todo governante republicano. O estadista não é alguém que defenda os interesses de suas hordas ou de seus eleitores em detrimento de todos os demais integrantes da comunidade política. Ele não mente para se manter no cargo, nem considera que a desinformação propositalmente produzida e disseminada em larga escala crie ambientes coletivos que saibam cooperar e compartilhar destinos.
Bolsonaro não sabe disso e não faz questão de saber.