Os anos passam, a vida segue

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2024 foi um ano pesado. Podemos esperar um 2025 mais leve e democrático? Como neutralizar as tendências sombrias que se anunciam para o futuro?

Sabemos que é assim, mas não nos importamos. Celebrar o ano novo é fabular uma mudança de rumo que não obtém apoio na história, na realidade concreta.

A vida é mais rotina e repetição do que mudanças e rupturas dramáticas. As mudanças ocorrem, claro, mas sobretudo no circuito micro, não no estrutural. Seguem uma marcha batida, tanto que a gente nem percebe direito o que é que muda. Só depois de certo tempo é que nos damos conta de que as coisas ficaram diferentes. A realidade se oculta, mesmo quando está em reviravolta. Passagem de ano, afinal, não é um diálogo com o mundo real, mas com o mundo imaginado.

A vida, agora, segue em marcha tocada pela “revolução digital”, sem nenhuma revolução política no horizonte. Posições sociais são alteradas, há novas formações culturais, grupos de novo tipo põem em xeque a estrutura de classes, que já não nos ajuda a analisar o mundo. As classes podem servir como referência teórica, mas não são mais a matriz das ações políticas ou ideológicas. Há um ambiente de desorientação geral, que leva a uma espécie de fuga para guetos autorreferidos.

A cada passagem de ano renovamos as esperanças de que tudo fique melhor. Exageramos, porque somente assim temos como acreditar e ter fé de que a vida irá de fato melhorar. É um dos modos de viver a vida como fantasia e utopia, combustível indispensável para que não se caia no desânimo e na desesperança.

Olhemos para trás. 2024 foi um ano pesado, matou na origem as esperanças manifestadas no réveillon de 2023. Houve muito de ruim: guerras, violência, insegurança, medo, emergência climática, atentados, governos incompetentes, vazio de lideranças, desigualdade, miséria, racismo, preconceitos. A extrema direita teve mais sucesso do que a esquerda democrática. O progressismo (seja lá o que se entenda por isso) não acumulou vitórias. A própria ideia de esquerda perdeu significância e reconhecimento social. Trump foi eleito com folga. Milei também, no finzinho de 2023. Lula completou o segundo ano de governo, mas não apresentou nenhuma proposta efetiva de progresso social ou reforma. Nas eleições municipais brasileiras, os pragmáticos e os conservadores deram um baile. A balança comercial brasileira recuou 24,6% em 2024.

Onde é que brilhou o sol da esperança?

Ah, mas os golpistas brasileiros foram indiciados! O Corinthians se classificou para a Libertadores! O dólar abriu o ano em viés de baixa e com Fernanda Torres vencendo o Globo de Ouro como melhor atriz!

Comemoremos, mas é pouco, muito pouco.

Sei bem que para muitas pessoas a vida melhorou e continuará a melhorar. Novos empregos, aumentos salariais, oportunidades aproveitadas, curas, namoros e casamentos bem-sucedidos, casas novas, inimizades desfeitas, amores reiterados, momentos de felicidade. Coisas boas sempre acontecem em termos pessoais, afetivos, profissionais, familiares. Seguirá sendo assim, felizmente.

Quanto à vida em seu conjunto, em sua humanidade profunda, não saímos do lugar. Talvez até tenhamos regredido, pois afinal a história não é uma flecha que vai sempre na mesma direção. Ou será que houve melhoria no combate à desigualdade, na abordagem da tragédia ambiental, na construção da paz mundial, na distribuição da riqueza, no domínio público da inteligência artificial, no aproveitamento inteligente das redes sociais?

Um 2024 que termina desse jeito triste e preocupante pode agasalhar tendências de longa duração, que comprometem o futuro imediato e aquele futuro que nem sequer conseguimos delinear. Poderemos combatê-las, impedi-las de se materializarem?

Renovemos as esperanças, pois necessitamos disso. Mas não percamos de vista que os problemas de ontem permanecerão sendo os problemas de hoje e de amanhã. Afinal, estamos em um túnel com poucas vias de escape e sem luzes sinalizadoras.

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