Um presidente fraco, sem credibilidade e com apoio parlamentar flutuante, em atrito com o Ministério Público, a Procuradoria Geral da República e o Supremo Tribunal, não tem como coordenar o processo político ou a dinâmica governamental. Sua governança e seus projetos de reforma ficam soltos, ao sabor de pressões e chantagens de todo tipo. O país (leia-se: a população) perde, fica sem um norte de agregação e referência.
Mas é um equívoco dizer que sua crise e seu descrédito impedem a recuperação da economia e do emprego. É um equívoco que funciona como uma pressão a mais, puxando a corda para o lado dos “agentes econômicos” e dos rentistas. Por uma razão simples: a economia e a vida cotidiana são mais fortes do que a política e esta, quando em crise, gira em falso.
Michel Temer hoje não tem condições de governar em sentido positivo. Sua dedicação está toda concentrada em salvar a própria pele. Virou uma figura decorativa, do mesmo modo que Dilma pouco antes do impeachment.
O pior é que tal situação pode se estender e o presidente chegar a 2018. Se não renunciar, não é de se acreditar que seja deposto por um golpe ou por um novo impedimento. Sua trajetória parlamentar e a caneta presidencial ainda pesam, e mesmo a oposição petista refreou, mais interessada em explorar a situação para se fortalecer. Para ela, melhor deixar o “golpista” Temer sangrar aos poucos. Afinal, com a denúncia de Janot o jogo ficou empatado, ou quase. Tucanos e peemedebistas vão na mesma direção. Preferem esperar para ver e lutar para escapar da Lava Jato e do repúdio popular. O baixo clero, por sua vez, só pensa em arrancar alguns nacos da carne governamental.
O resumo é mais ou menos o seguinte: se Temer prosseguir até o fim de 2018, será difícil que tenha musculatura para tocar as reformas. Se for substituído por um presidente eleito por via indireta, aí é que as reformas não sairão do papel, e com isso ficará tudo parado, à espera dos que vierem a ser eleitos em 2018. A população precisa das reformas, mas não sabe disso. O mercado, porém, não só sabe como tem recursos para tentar fazer reformas sob medida. Se elas forem arquivadas, será ele a se frustrar em primeira instância. Como escreveu o jornalista Raymundo Costa no Valor Econômico, “o mercado comprou um FHC em 2016, mas pelo jeito está levando José Sarney”.
A pressão fundamental — a das ruas, digamos assim — não consegue se manifestar agora, com ímpeto e vigor. E isso precisamente porque a situação econômica não está piorando e até ensaia uma recuperação, com inflação baixa e juros cadentes. O que há são protestos localizados e greves corporativas, conseguidas a fórceps. Barulho que só é ouvido pela população porque lhe impede a mobilidade.
As pessoas estão indignadas, machucadas e frustradas com promessas e expectativas que vieram lá de trás. Mas ao menos por ora não demonstram achar que o grito uníssono de “fora Temer” possa mudar alguma coisa. Desconfiam que do mato dos políticos que estão aí não sai nenhum cachorro. Falam abertamente em “fora todos”. É uma espécie de cansaço cívico. Agravado pela baixa qualidade dos políticos, a ausência de lideranças, o volume da lama tóxica que atingiu o conjunto da classe política, a falta de opções confiáveis, as exigências imperativas do dia-a-dia.
Não é um enigma, mas uma demonstração de paciência e sabedoria popular. Que os políticos fiquem com suas coisas, que eu vou cuidar da minha vida, que no fundo é mesmo o que importa.
Pode ser triste e é seguramente ruim para a democracia, mas ficou assim. Ao menos por ora. Amanhã não se sabe, tudo pode mudar num piscar de olhos. Mesmo sem líderes com capacidade de contagiar as massas.
Não nos esqueçamos que, em condições de modernidade capitalista radicalizada, de vida líquida, o amanhã pode chegar a qualquer momento, de repente, sem pedir licença.
Enquanto isso, aqueles que se acham bobamente a “consciência crítica da nação” correm o risco de pregar no deserto. Ou de se mexer e se agitar sem sair do lugar.