A beleza da democracia

William-Adolphe Bouguereau,  La gioventù di Bacco, 1884
William-Adolphe Bouguereau, La gioventù di Bacco, 1884
O eleitor, como se carregasse o futuro nas mãos, pode com elas interferir no governo da sociedade em que vive

Eleições são processos difíceis, trabalhosos, desgastantes. Sempre. São invariavelmente tensas quando os candidatos que delas participam se engalfinham e se enroscam na reta final, como acontece agora em São Paulo.

É a beleza da instituição chamada democracia eleitoral. Ela é luta e esforço tenaz, mas também é esperança, festa cívica, reconhecimento de erros e acertos, apostas, cálculos, realinhamento de forças. Vibra nela a complexa dialética da continuidade e da mudança.

O eleitor, como se carregasse o futuro nas mãos, pode com elas interferir no governo da sociedade em que vive, seja um ente estadual, federal ou municipal. Acredita-se, aliás, que quanto mais comprimido é o espaço em disputa  — uma cidade, não uma nação –, mais se pode sentir a real influência do eleitorado. Ao apertar dois botões na urna eletrônica, ele imprime  suas digitais na vida coletiva e no governo que se iniciará.

Ao vencedor, muita coisa, até mesmo as batatas, ou os abacaxis. Governar uma cidade como São Paulo, por exemplo, é mais ônus do que bônus. Exige muito, a cobrança é constante e implacável, feita por 10 milhões de pessoas que mastigam o cotidiano urbano, com suas agruras. Uns muito mais que outros, evidente, pois a desigualdade é uma marca da cidade, ao lado da injustiça, da exclusão, do barulho, da falta de tempo, do desemprego, do massacre que é ir ao trabalho. Hoje, há os medos vários, da pandemia, do assalto, da polícia, do atropelamento, da discriminação.

Um prefeito recebe tudo isso no peito.

Urnas falam muitas coisas, mas não têm como falar tudo. Há ruídos intermediários, que travam a comunicação. Há as campanhas, feitas de palavras e gestos, apoios e vetos, verdades e exageros. Os candidatos fazem promessas, o eleitor sabe que parte delas é para inglês ver. Se tiver empenho e  informação, porém, pode separar o joio do trigo, verificar com cuidado o que não passa de anúncio eleitoral e o que é de fato um compromisso real, algo que pode mesmo ser realizado, que se torna palpável por estar inscrito numa trajetória, numa biografia, numa folha de serviços prestados. O currículo de um candidato a prefeito não é feito de ideias e valores nobres, mas de possibilidades efetivas, de coisas pés no chão, executáveis.

Eleitores são também apetitosos, de certo modo “egoístas”: sabem que a farinha é pouca e querem seu pirão primeiro. Pensam no seu bairro antes que na cidade, na sua rua antes que na recuperação do centro, no transporte que utiliza, na escola dos filhos mais que na educação, nas escolhas corretas mais que no formato da escolha, se um mutirão ou um “orçamento participativo”. Ninguém como eles sabe melhor o que foi feito e o que poderá ser.

Em épocas tormentosas, como as atuais, há excesso de tudo: promessas, informações, números, fake news, boatos, cenários apocalípticos, prognósticos, ameaças, acusações. O eleitor recebe tudo isso no peito, processa do jeito que pode, com os amigos, os familiares, os vizinhos. Por incrível que pareça, o eleitor procura agir racionalmente, tenta não perder o que já conseguiu: um pássaro nas mãos vale mais do que dois voando. É o que dá aos incumbentes, aos que buscam se reeleger, algum tipo de vantagem. Mas o exercício do cargo também desgasta, é visto e falado, suas ações, falhas e omissões costumam ser exploradas pelos adversários. O “palácio” de onde governa o prefeito tem telhados de vidro.

No próximo domingo será selado o destino de uma das eleições mais disputadas dos últimos anos em São Paulo. O desfecho está em aberto, por mais que as últimas pesquisas sinalizem tendências em curso. Há uma distância entre pesquisas e urnas. Para os candidatos, serão horas de trabalho duro e angústia, de batalhas para convencer os indecisos e tentar mudar o voto dos decididos. Para os eleitores, a expectativa.

O bom, para todos, é que a disputa está correndo sem baixarias explícitas. Também conforta saber que a vida seguirá, que nada irá terminar ou começar de forma totalmente diferente. Daqui a quatro anos novas oportunidades se abrirão.

 

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