A semana que hoje se encerra não foi boa para Jair Bolsonaro.
Os discursos do presidente do STF, ministro Luiz Fux, e do Superior Tribunal Eleitoral, Luís Roberto Barroso, ambos contundentes e pedagógicos, riscaram no chão um marcador do qual não se passaria. Remeteram-se claramente à balbúrdia, às ofensas e às provocações do presidente da República nas comemorações do Sete de Setembro. O mundo político seguiu o tom e só houve manifestações de crítica.
Bolsonaro sentiu o golpe. Vendo a fogueira a crepitar na antessala do gabinete presidencial, apelou a Michel Temer e, com uma pirueta, passou de incendiário a “moderado”. Divulgou uma “Declaração à Nação” em que se compromete a respeitar as “instituições da República, forças motoras que ajudam a governar o país”. Acrescentou ainda, em meio a elogios ao antes tripudiado Alexandre de Moraes, que sempre estará “disposto a manter diálogo permanente com os demais Poderes pela manutenção da harmonia e independência entre eles”.
A manobra distensionou o ambiente político e foi recebida com alívio generalizado, ainda que com muitas pontas de descrédito. Nas redes bolsonaristas, houve reações falando em “decepção”, “frouxo” e “traição”, além de acusações de que os “molengas” que cercam o presidente fizeram com que o “leão virasse um gatinho”. Notícias circularam dando conta de que certas alas militares não gostaram do recuo. Os caminhoneiros, aliados de primeira hora, ficaram confusos, suspenderam parte dos bloqueios mas continuaram a prometer que chegariam ao Senado para pedir a cabeça dos ministros do STF.
A “Declaração à Nação” veio a público exalando medo: medo de ser afastado da Presidência e de ver os filhos arrastados para os tribunais. Foi uma desesperada tentativa de recuar para não perder o equilíbrio. Aconselhado por Michel Temer, o presidente anunciou que nunca teve qualquer “intenção de agredir quaisquer dos poderes”, enfatizando que “a harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar”. Desmentindo e desdizendo tudo o que fez e falou nos últimos meses, Bolsonaro acrescentou que “as pessoas que exercem o poder não têm o direito de ‘esticar a corda’, a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia”. Para ele, tudo não passou de “desentendimentos” localizados (com o ministro Alexandre de Moraes), manifestados de forma passional em decorrência “do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum”.
A montanha pariu um rato.
O presidente da República levou gente às ruas no dia 7 de Setembro. Bastante gente, mais do que imaginavam os democratas mas menos do que gostaria ele. Palco e plateia montados, porém, Bolsonaro deu xabu. Repetiu seus jargões surrados, inflamados, radicalizados ao extremo, atacou e agrediu pessoas, poderes, padrões cívicos e constitucionais. Maltratou a lógica e a linguagem, dando um péssimo exemplo de falta de educação e critério. Pôs fogo no País.
Não ofereceu, porém, aos seus, um mapa para seguir adiante. Entregou-lhes um roteiro que não indica o futuro, que é regressista e alienado da realidade, que nada explica da situação em que nos encontramos e das providências que o governo tem tomado para enfrentar os problemas que atormentam os brasileiros. A vida real é onde vivem as multidões, e elas estão agoniadas com a inflação, o desemprego, a crise energética, a pandemia. Em vez de se mostrar à altura dessa situação como governante, o presidente tem optado por continuar em uma escalada golpista, de ataques às instituições e desprezo pela democracia.
Bolsonaro comporta-se como se fosse dono do mundo, farsa grotesca que emprega para esconder os podres de sua família e o fracasso de seu governo. A “Declaração à Nação” não melhorou sua imagem e desorientou a base bolsonarista radicalizada.
O País se deteriora, áreas estratégicas estão sendo desbaratadas, a economia mal consegue soluçar e enquanto isso o presidente posa de “salvador da Pátria”. O Brasil nunca esteve tão mal visto no mundo. O ministro Barroso foi direto ao ponto: “Insulto não é argumento. Ofensa não é coragem. A incivilidade é uma derrota do espírito. A falta de compostura nos envergonha perante o mundo. A marca Brasil sofre, nesse momento, uma desvalorização global. Somos vítimas de chacota e de desprezo mundial.”
Barroso lembrou ainda que esse desprestígio “é maior do que a inflação, do que o desemprego, do que a queda de renda, do que a alta do dólar, do que a queda da bolsa, do que o desmatamento da Amazônia, do que o número de mortos pela pandemia, do que a fuga de cérebros e de investimentos. Mas, pior que tudo, nos diminui perante nós mesmos. Não podemos permitir a destruição das instituições para encobrir o fracasso econômico, social e moral que estamos vivendo.”.
Os discurso de Barroso e Fux mostraram que o conjunto das instituições tem um centro claro de resistência. Ergueram uma sombra incômoda aos presidentes da Câmara e do Senado, que foram bem mais contidos no alerta a Bolsonaro.
O poder propriamente político – o Legislativo – está a omitir-se perante as chamas que se alastram. É compreensível, se lembrarmos que Arthur Lira e Rodrigo Pacheco foram eleitos com o engajamento declarado das alas fisiológicas e bolsonaristas do Congresso. Mas é preocupante, se considerarmos que, com a omissão, estão a trair a Constituição e a fazer de conta que o País encontra-se em condição “normal”, mesmo tom adotado pelo vice-presidente Mourão.
A “Declaração à Nação” tem tudo para cair no vazio. No prontuário de Bolsonaro, não há dados que o definam como “pacificador”, democrata ou disposto ao diálogo. Além do mais, dadas as circunstâncias, ele precisa continuar a oferecer alimento ao seu núcleo duro de militantes e ativistas, que não podem aceitar um “mito” marcado pela frouxidão ou pela temperança. É de se esperar que uma nova pirueta traga de volta o “incendiário”
A expectativa agora é que a ruptura anunciada por Bolsonaro sirva para energizar os partidos políticos e o movimento democrático. Essa reação será fundamental para que o Congresso saia da letargia a que o força o “centrão”, cuja lealdade a um governo que perde prestígio e popularidade pode estar com os dias contados.
Ir além das ambições pessoais e dos cálculos partidários para 2022 é dignificar e proteger a democracia, sem a qual perdem todos. Essa a meta, que precisa servir de base e inspiração para uma iniciativa que não pode mais tardar. A hora requer inteligência, generosidade, firmeza e unidade.