Ao fechar os olhos para as fraudes de Maduro, PT se desqualifica

Sara Campesan. Lotto 37. OST
Sara Campesan. Lotto 37. OST
Posição do partido é a manifestação de uma visão regressista e alheia ao que ocorre no mundo atual

É difícil entender a posição do PT no que diz respeito às eleições venezuelanas e ao regime de Nicolás Maduro.

A fraude está escancarada, com as previsíveis manobras autoritárias e intransparentes, a arrogância fora-da-lei dos que se proclamam vencedores, os protestos internacionais das democracias ocidentais e de vários governos da América do Sul.

O regime venezuelano é uma ditadura, simples assim. Ele abusa de simulacros democráticos, de uma retórica “revolucionária” e de uma coreografia de apoio popular que não existe de fato. Enquanto isso, milhões de venezuelanos caem na miséria, outros tantos fogem do país, a economia naufraga, o país se converte em pária internacional.

O roteiro é o mesmo de todas as ditaduras: manipulam-se as eleições e formam-se tribunais eleitorais fiéis, abrindo caminho para que os governantes se eternizem no poder. Putin é uma referência, assim como Orbán na Hungria. É o chamado “iliberalismo” em ação, misturado com formas reacionárias de populismo.

A Venezuela é isso, desde que o chavismo instituiu suas regras, suas milícias e seus “coletivos”. Trata-se de um regime forte e abertamente autoritário, que se beneficia de uma longa permanência no poder, alimentado por atitudes repressivas e controle sobre a população. Por tal motivo, ele empurra as oposições para a margem, vedando-lhe o acesso ao poder e coagindo-a mediante uma institucionalidade feita sob medida.

A esquerda que não reconhece isso falha como esquerda.

Mesmo o governo Lula age com cuidado e posterga o reconhecimento da autoproclamada vitória de Maduro. Exige, ao menos pela voz da diplomacia, que sejam apresentados os boletins eleitorais. Não se sabe até quando o governo manterá essa posição, dados os apoios anteriores ao regime chavista, os alinhamentos internacionais de Lula e as pressões petistas.

Apesar de tudo isso, o PT se manifesta dizendo que a vitória de Maduro resultou de uma “jornada pacífica, democrática e soberana”. E pede que “o presidente Nicolás Maduro, agora reeleito, continue o diálogo com a oposição”, diálogo que, a rigor, nunca aconteceu de fato. A direção nacional do partido age como se a Venezuela fosse um bastião progressista e peça-chave na contestação do “neoliberalismo” norte-americano e ocidental. É um erro tático e estratégico com muitas camadas de alienação.

A posição não faz jus a uma ideia renovada de esquerda. É muito mais a manifestação de uma visão regressista e alheia ao que ocorre no mundo atual. Apoios a ditaduras “revolucionárias” são um contrassenso, um bloco de chumbo que aprisiona a esquerda em grutas escuras, das quais não se vislumbra qualquer futuro.

Alinhamentos automáticos a parceiros ideológicos são, além do mais, uma estupidez política, que ignora a vida vivida, tudo aquilo que oprime as populações governadas por tiranos e sem acesso a direitos básicos, a liberdades fundamentais, a embates democráticos.

Ditadores amigos – heróis libertadores, guias geniais, grandes timoneiros – já causaram muitos estragos às esquerdas. O stalinismo e o maoismo fizeram história no século XX, empurrando as esquerdas para uma crise de vastas proporções, que ainda seria potencializada pela idolatria à Cuba de Fidel, depois ao sandinismo nicaraguense e à Venezuela de Hugo Chávez. As esquerdas ideológicas ficaram tão aprisionadas que até hoje não conseguiram sair das grutas em que se enfiaram.

As esquerdas nasceram e cresceram em nome do socialismo. Quando mergulharam em crise de identidade, no final do século XX, deixaram de atualizar a ideia socialista, que acabou por derivar para um antiamericanismo tosco e para um combate errático ao “neoliberalismo”. Afastaram-se da realidade.

Não compreenderam, assim, que o socialismo, para ser viável no século XXI, precisa recuperar para si e valorizar as liberdades civis e a ideia mesma de democracia, superando o que possa haver de restrição na formulação liberal, quer dizer, conservando e pondo em nível superior os direitos e as liberdades liberais, passando, portanto, a vê-los não como obstáculos, mas como premissas necessárias de todas as liberdades sociais e de todo o processo de formação da vontade democrática.

Se o PT quiser permanecer como integrante do universo das esquerdas, terá de mostrar a partir de agora seu compromisso com a democracia.

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Sizenando Alves Silveira
2 meses atrás

Só agora consegui ler – tentei ler no Estadão, mas lá continua dando “página inexistente”. Enfim, por que “revolução bolivariana” é um “conceito” de análise aceito silenciosamente entre as “bolhas eletrônicas” das esquerdas? – sei que são várias, com dificuldades para dialogar e tbém dialogar com os outros setores da sociedade. E aproveito pra misturar a sopa de letras, signos e conceitos, e dizer que não entendo por que a invasão da Ucrânia não é uma invasão, mas uma operação militar especial da Rússia. Por que o silêncio das esquerdas sobre a presença da China e da Rússia no continente africano? E, finalmente, por que ainda o PT é considerado de esquerda, tendo em vista o bloco que recentemente o elegeu? E, finalmente, me desculpo pelo imbróglio todo, por que seu candidato Boulos à prefeitura é capaz de dialogar com Marta Suplicy e não consegue conversar com Tabata Amaral? Peço desculpas, misturei tudo.

Camilla Mimi soffer
3 meses atrás

Brilhante e esclarecedor do que é ser de esquerda
E assim a extrema direita encontra um vazio onde a tal esquerda atual age. Extrema direita então cresce

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