Como seria de esperar, o desembarque do MDB e do DEM do bloco político que dava envergadura ao Centrão provocou uma correria para decifrar o fato e prospectar seus desdobramentos.
Ambos os partidos têm defendido um posicionamento de independência em relação ao governo e decidiram pagar para ver até onde vai a pretendida autonomia. Deixaram de ser comandados pelo líder dos Progressistas (PP), Arthur Lira (AL), que atua abertamente como íntimo do Palácio do Planalto. Pretendem ganhar, com isso, melhores condições de negociação. Fizeram com que o barco político se movimentasse em outro diapasão.
Em termos imediatos, ficou evidente a dificuldade de articulação do governo Bolsonaro no Congresso Nacional. Ele já havia mostrado fragilidade na votação que aprovou, praticamente por unanimidade, a prorrogação do Fundeb, semana passada. Agora, com o enfraquecimento do Centrão, fica um pouco mais manco. Como ainda tem bala na agulha, ou seja, dispõe da caneta para verbas e nomeações, ainda está no jogo, mas joga mais parado do que de forma ativa e propositiva.
Com o reposicionamento do MDB e do DEM, o Centrão perde cerca de 80 deputados. Permanece com força, mas tem menos articuladores de peso. Poderá ser ainda esvaziado, caso outras legendas decidam endurecer nas negociações ou se afastar.
Por mais que o deputado Rodrigo Mais diga que divisões são “naturais” no Congresso, a “desorganização” dos alinhamentos parlamentares está associada, antes de tudo, à disputa pela presidência da Câmara. O candidato do Centrão, Arthur Lira (PP-AL), apoiado abertamente pelo governo, perdeu fôlego e parece ter sido ejetado da disputa. Havia ido com bastante sede ao pote, confiando que os apoios de que dispunha eram suficientes para encobrir sua fragilidade e seu telhado de vidro. O deputado está na mira de investigações sobre recebimento de propina e não é o que se possa chamar propriamente de ficha limpa. Sua imobilização abre caminho para outras candidaturas ao cargo hoje ocupado por Rodrigo Maia.
O atual presidente da Câmara, por sinal, dá mostras de que continua sendo um importante personagem na Câmara. Com discrição, tem trabalhado para que se formem alianças que turbinem uma candidatura que não se alinhe automaticamente com o Planalto e não desagrade a oposição de esquerda. Não se pode descartar que sua mão tenha colaborado para sacramentar a decisão de enfraquecer o “blocão”. Ele controla a pauta com firmeza e se mostra um personagem de grande relevância política.
A movimentação congressual também pode ser vista como uma antecipação do rearranjo partidário que deverá ser ativado após as eleições municipais. Pode ser que não se chegue a uma desmontagem formal das legendas atuais, mas dentro delas as modificações já estão em curso, e deverão ser incrementadas. A base de tudo é a constatação de que os partidos – todos eles – já não dão conta das expectativas da população e nem conseguem interagir com os novos termos da vida social.
Ao mesmo tempo, o rearranjo liga-se ao enfrentamento da questão que tem dominado as análises e os cálculos políticos desde as eleições gerais de 2018, qual seja, a da ocupação do centro democrático. Como os partidos não têm condições de postular vitoriosamente candidaturas próprias aos principais cargos políticos, entre eles a Presidência, tornou-se óbvio que “frentes” ou mesmo novos partidos terão de ser constituídos, de modo a dar corpo a um esforço centrista que evite a polarização esquerda x direita, que a essa altura seria vantajosa para o bolsonarismo.
Frentes desse tipo podem ter, evidentemente, ao menos duas traduções. Podem se materializar de modo tipicamente liberal, ancorada num programa reformador mercantil, “neoliberal”, ou podem se abrir para um reformismo “social-democrático”, no qual parte das esquerdas terá assento.
Embora tudo aponte para um cenário pós-pandemia mais sensível ao social e ao Estado de bem-estar, o reformismo em organização ainda não tem definição.