Cálculos, apostas e candidatos

Cálculos eleitorais são apostas, cada uma com sua dignidade, seus limites e suas possibilidades. Têm muitas traduções, sobretudo em processos eleitorais. Candidatos falam como se não houvesse amanhã. Comportam-se como políticos antipolíticos.

Com a sucessão de debates entre os candidatos à Presidência e o início da propaganda eleitoral, inevitável que se tente avaliar desempenhos e estratégias de campanha, cálculos mais certeiros e eficientes.

Cálculo político é algo complicado. Tem muitas traduções. Sobretudo em processos eleitorais.

Você pode calcular que falando isso ou aquilo, uma verdade ou uma mentira tanto faz, ganhará ou perderá votos. Pode calcular que não falando nada, tergiversando e pedindo tempo para pensar, nada perderá e eventualmente ganhará. Pode calcular que quanto mais consistentes forem tuas propostas mais audiência obterá. Pode apostar tudo na demagogia e no populismo como estratégias para chegar ao coração do povo. Pode apelar a Deus ou ao Diabo para se mostrar mais religioso, ou menos.

Pode calcular que batendo na mesa e mostrando fluência e ousadia verbal conquistará o entusiasmo das multidões desejosas de alguém indignado pela esquerda ou pela direita, ou de um cabra arretado, na Presidência. Poderá falar cobras e lagartos, ameaçar os poderosos e os fracos, aliar-se à direita para sustentar um discurso de esquerda que você diz corresponder à tua formação e a teus compromissos, fazer juras de amor a teus adversários para tentar neutralizá-los. Poderá incensar seus padrinhos políticos e certos ícones que, em tese, ajudam a levantar as multidões, pouco se envergonhando de se subalternizar a eles. Nessa trilha, deixará de levar em conta que até mesmo os que se julgam mais bem preparados podem subornar a si próprios sem terem disso a menor consciência.

Pode calcular que mostrando serenidade, realismo e talento administrativo irá comendo pela borda e chegará lá, convicto de que alianças e diálogo geram boa governança. Poderá fazer com que vibrem as cordas da razão técnica, da experiência, da união política e da democracia, dizendo que conseguirá domar os demônios que te acompanham, sem considerar que o inferno político é vasto e nem sempre é domável. Sua praia será a sensatez e a serenidade, recursos com que pensa ser possível re-unir o que a vida política desuniu. Seguirá a estrada da moderação e da exibição de propostas exequíveis, difíceis de serem questionadas. No meio do caminho, poderá correr o risco de ficar tão encantado com as próprias convicções que se esquecerá de assimilar os reclamos das multidões e com elas interagir.

Pode imaginar que posando de mártir e vítima dos poderosos conquistará o coração dos subalternos e será a eminência parda do processo, pouco importando se isso prejudicará os que acreditam em você e te seguem com convicção religiosa. Você poderá criar um séquito de fanáticos, pernas sem cabeça, paixão sem racionalidade, um movimento místico regressista, que cega e aliena, mesmo que repita à exaustão sua perspectiva emancipacionista e prometa, caso vença, que fará o povo ser feliz de novo, abrindo as portas do paraíso como nunca antes se tentou fazer nesse país. Na sua cabeça a ideia pode ser outras, mas sua atitude acaba por manter os cidadãos em condição de infantilidade, pedindo proteção, afago, carinho, como se um pai faz com um filho. Poderá encontrar um sucedâneo que guarde teu lugar e fale em teu nome, sem levar em conta que muitas vezes essas operações causam constrangimentos e bloqueiam importantes tentativas de renovação. Não perceberá que, se a operação der certo, a chance de você cair no esquecimento será altíssima.

Pode calcular que pregando um modo diferente de fazer as coisas e se cercando de gente íntegra e que pensa como você cavará um lugar na dianteira, crente de que mais cedo ou mais tarde a verdade triunfará. Você dirá que somente com independência e renovação será possível unir o País, repudiando alianças e coligações ampliadas por serem perigosas e refratárias ao progresso indispensável. Terá enormes dificuldades para governar e derrotar as estruturas que empurram o país para trás, mas permanecerá na estrada como uma espécie de consciência crítica da nação, sem sacrificar seus ideais no altar das grosserias políticas e das jogatinas do marketing.

E pode calcular que confessando suas limitações e mostrando sua verdadeira face bruta, truculenta, abrirá um canal de comunicação com as massas, intoxicando o imaginário popular com a promessa de que a ordem, a disciplina e a autoridade trarão o futuro que todos esperam e Nosso Senhor abençoa. Poderá formar uma brigada com gente que segue teu estilo e admira tua veia autoritária, controversa e indiferente a maiores rigores, mas, ao chegar ao porto e tentar descarregar, perceberá que o barco esteve sempre vazio, pois você não se preocupou em carregá-lo com bens e mantimentos de qualidade. Os marujos que te acompanharam na travessia ficarão assim a ver navios.

Cálculos políticos ou eleitorais são apostas, cada uma tem sua dignidade, seus limites e suas possibilidades. Duro mesmo é ver que muitas vezes tais apostas não são vocalizadas por personagens à altura dos tempos, ou ao menos próximos deles.

Como se não houvesse amanhã

Cada debate eleitoral cria expectativas e esperanças. Fica-se na torcida para que haja um avanço, para que cada candidato mostre finalmente a que veio.

Não é o que tem ocorrido depois de duas rodadas de debates e de várias entrevistas.

O tom tem sido um só, basicamente: os candidatos falam como se não houvesse amanhã. Limitam-se a brandir promessas, frases genéricas, pegadinhas e compromissos, como se tudo dependesse deles  e  nada mais precisasse ser feito a não ser conseguir que um novo personagem ocupe a cadeira presidencial. São ilusionistas. Atores de uma pantomima típica da vida de exposição que levamos, efêmera, midiática, feita de insights, caras e bocas, frases curtas, minutos controlados, pressa.

Dá para apontar o dedo, seletivamente, para os momentos em que alguém foi além disso, embasando de modo mais “técnico”, político-administrativo, seus planos de governo.

A rigor, desse ponto de vista, somente três candidatos têm se destacado. Ciro e Alckmin mostram firmeza, serenidade e conhecimento prático. Marina tem conseguido ser mais propositiva e no segundo debate ganhou grande impulso ao enquadrar o direitista Bolsonaro de uma maneira excepcional. Os demais têm perdido boas oportunidades para esclarecer que papel estão se propondo a representar.

Bolsonaro tropeça nas próprias palavras e consegue a proeza de ver Cabo Daciolo pressioná-lo pelos flancos. Álvaro Dias e Henrique Meireles, muito pouco à vontade, limitam-se a repetir slogans e chavões. Boulos, uma caricatura forçada do Lula de bem antes, mostra ter língua afiada, mas se perde na exibição de uma indignação forçada e em propostas maximalistas e de “ataque frontal”.

Há um denominador comum: todos são políticos antipolíticos, que recusam a política realmente existente como se lhes fosse possível eliminá-la por decreto. Políticos que não falam de alianças e negociações, a não ser para demonizá-las ou justificá-las envergonhadamente. Que não mencionam o “como”, as concessões inevitáveis, os “sacrifícios” que precisarão pedir ao povo. Derramam-se em elogios ao “novo” sem se darem ao trabalho de qualificá-lo.

Sempre haverá quem faça um desconto e diga que, em palcos de TV e na propaganda eleitoral, desenrola-se um show e nele o comportamento é fictício: joga-se para a plateia, conforme roteiros traçados por assessores e especialistas em marketing, onde o o fundamental não é o conteúdo, mas a produção de efeitos e fumaça, com uma performance calculadamente eficiente.

É verdade. Assim como é verdade que o formato dos debates e o número de candidatos não ajudam.

Mas deve-se considerar que existem dramas e dramas, roteiros melhores e piores, bons e maus desempenhos cênicos. Candidatos à Presidência precisariam, no mínimo, ensaiar mais e ser mais cuidadosos em todos os fundamentos. Estão falando com a população, não somente entre eles. Não podem ser artistas, nem mesmo quando estão no palco.

Afinal, estão se dispondo a fazer girar a roda da História, a interferir na nossa vida, a direcionar um País que assiste ao show com várias pulgas atrás da orelha.

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6 anos atrás

Gosto demais de seus artigos, desde os tempos do saudoso Prof. Gildo, guardo seus artigos. Gosto de sua
coerência e jeito que escreve.
Abraço.

Luiz Antonio Palma e Silva
6 anos atrás

Pois, os políticos rejeitam o que está aí como se não tivessem nada a ver com isso. Parafrenia, não?

Lia Giraldo
6 anos atrás

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