E eis que de repente, no meio da semana passada, ouviu-se um estampido. Nada ensurdecedor, mas suficiente para mexer com cálculos e humores: a terceira via pôs a cabeça para fora. Quatro partidos que ocupam o centro democrático – PSDB, União Brasil, Cidadania e MDB – apesentaram documento comprometendo-se a derivar para uma candidatura presidencial única, a ser anunciada em maio próximo.
O estampido ocorreu quase no mesmo instante em que uma sucessão de disparates do ex-presidente Lula intrigou muitos de seus seguidores e confundiu analistas políticos. Em uma só tacada, em reuniões seriais, Lula defendeu o aborto, ameaçou parlamentares, sugeriu a revisão da reforma trabalhista e previdenciária, falou da Petrobrás, atacou a “ostentação da classe média brasileira” e prometeu retirar 8 mil militares que ocupam cargos de confiança no governo. Para coroar tudo, disse que, no Brasil, uma guerra como a que opõe a Ucrânia à Rússia “seria resolvida numa mesa tomando cerveja”. Dias depois, celebrou a aliança com Geraldo Alckmin, político conhecido por suas posições conservadoras e cautelosas. Ninguém mostrou constrangimento. Alckmin cresceu como decoração.
A semana também trouxe a divulgação de novas pesquisas de intenção de votos, nas quais Jair Bolsonaro mostra resiliência e apresenta viés de alta. Como ele segue na Presidência e deverá adotar sucessivas medidas de apelo popular, seu crescimento nas pesquisas deverá ter prosseguimento. Seu problema será sempre mais a rejeição. Mas aí estará em boa companhia, pois várias medições estão a indicar que todos os principais presidenciáveis amargam altos níveis de rejeição.
Não há partidos ou alinhamentos ideológicos nas mentes brasileiras, somente nomes.
Caminhemos por hipóteses. Se a intenção dos partidos do centro democrático se confirmar, uma candidatura de consenso poderá produzir efeito importante, caso nasça de um entendimento consistente, com lastro programático, bastante engajamento e um mínimo de lealdade. É ingênua a crença de que o melhor nome é aquele mais bem situado numa corrida por indicadores de pesquisa. Números importam, mas não são decisivos na altura atual. Um bom nome – dinâmico, sem manchas curriculares, com apoio partidário, baixos níveis de rejeição e boas ideias para se governar – terá peso não desprezível na arena eleitoral. Poderá não sobrepujar os candidatos que dispararam na ponta, mas trará qualidade ao debate eleitoral.
Nada aqui pode ser afirmado de modo categórico. Os partidos agora comprometidos com uma candidatura única têm problemas internos difíceis de serem processados. Há os apetites localizados, os egos inflados, as preocupações com a formação de boas bancadas no Parlamento, os entendimentos regionais, tanta coisa que tudo pode terminar em uma declaração da boca para fora. As divisões internas e a perda de força depois das transferências partidárias complicam um quadro com arestas em demasia.
Se os disparates de Lula foram calculados ou escaparam da boca em um momento de empolgação, esperado em conversas com grupos de pessoas sensíveis ao petismo lulista, é algo que precisará ser avaliado. Há quem levante a hipótese de que Lula percebeu que não encurralará Bolsonaro com um discurso moderado e partiu para consolidar o que já tem no campo das esquerdas, certo de que, num segundo turno, receberá o voto geral dos democratas de centro. Fala-se também que Lula encheu-se de confiança e está convencido de que não precisa de mais apoios do que já tem, bastam-lhe adesões passivas. Se for assim, pode-se esperar mais radicalização retórica na campanha. Perorações radicais e estapafúrdias, porém, produzem desgastes difíceis de serem recuperados. Palavras inflamadas lançadas ao léu, frases de efeito pronunciadas para excitar plateias cativas, não só indicarão um aprisionamento de Lula ao jogo ocioso da polarização, como mostrarão seu isolamento. Serão um verdadeiro tiro no pé.
E há, ainda, que se levar em conta os próximos passos de Ciro Gomes. Ele atravessou a semana em silêncio, mas é evidente que voltará a se manifestar nos próximos dias. A pergunta aqui deve ser assim formulada: poderá haver uma tentativa de incorporação de Ciro e do PDT ao centro democrático, em torno de um nome único para as presidenciais? Ciro é um político preparado e bom de briga. Tem enorme gana política, seu partido não é uma máquina desprezível, tem peso simbólico (o trabalhismo, o brizolismo) e Ciro há anos circula com um programa de desenvolvimento nacional com começo, meio e fim. Seus movimentos futuros infletirão com destaque na disputa eleitoral.
O jogo já está sendo jogado desde o ano passado, mas agora, nesses primeiros dias de abril, é como se tivéssemos iniciado um segundo tempo na competição. As orientações técnicas e táticas mudaram e será interessante ver em que medida os jogadores saberão se adaptar a elas.
O grande problema de nós brasileiros, é a falta de ideologia dos partidos, como tambem mencionado por você. Ninguém comenta, tampouco menciona sobre ideologia ou programa de governo. Mas, ainda tenho a esperança, que se um canditado do centro, com baixa rejeição, e sem outras complicações políticas, se apresentar um programa de governo consistente e ideologicamente da social democracia, poderá trazer esperança. Mas este programa de governo deve ser apresentado continuamente e com muita insistencia, batendo de forma radical sobre os eleitores.
Inteiramente de acordo com você, Zé Henrique! O problema brasileiro, em termos políticos, passa pela inoperância dos partidos e pela baixa qualidade dos candidatos. Tudo gira em torno de pessoas, que não se apresentam com substância programática mas sim mediante artifícios retóricos. A rejeição afeta a todos eles, em boa medida por causa disso. O fundamental, como você mesmo disse, é apresentar programas de modo contínuo, até mesmo para “educar” a população, mostrando a ela os caminhos que podem ser explorados para a recuperação do país. Muito obrigado pelo teu comentário, que me alegrou demais.