Como o diabo gosta

Ambrogio Lorenzetti. Alegoria do mau governo.  1337-1339. Palácio Cívico, Siena, Itália.
Ambrogio Lorenzetti. Alegoria do mau governo. 1337-1339. Palácio Cívico, Siena, Itália.
Campanha eleitoral começa sem novidades, com promessas vagas, temperatura elevada e muitos jogos de cena

O primeiro dia da campanha eleitoral 2022 teve um pouco de tudo. Caminhadas, encontros temáticos, comícios, bate-bocas e propaganda.

Enquanto Ciro Gomes fazia campanha na periferia de São Paulo, Simone Tebet se reunia com representantes do setor cultural. Ambos procuram comer pelas bordas, tentando entrar de vez na disputa, que segue polarizada entre Lula e Bolsonaro.

Numa disputa polarizada, as atenções se voltam para os candidatos dos polos principais. É inevitável, tamanho é o magnetismo da própria polarização. O ruim de uma eleição assim é que se perde de vista o que pode haver de bom nas demais propostas e narrativas. Pior ainda é imaginar o efeito que o atrito visceral pode causar à sociedade. Não é difícil prever que, fechadas as urnas, dois campos antagônicos, com sangue nos olhos, perfilem-se no País, travando a governança, criando instabilidade e convidando a população a agir como militantes em tempo integral.

Num cenário desses, ganhe quem ganhar, o País perderá.

O tom principal do primeiro dia, como esperado, foi dado pelos candidatos que ocupam a dianteira nas intenções de votos. São os polos dessa batalha que não promete coisa boa. Como Lula e Bolsonaro brigam entre si, terminam por falar aos segmentos que já aderiram a eles ou que podem ser conquistados. Falam para dentro de suas bolhas e tentam se infiltrar nas bolhas adversárias, com o propósito de alertá-las, confundi-las, quebrar resistências. As pesquisas indicam que cerca de 70% do eleitorado já definiram o voto. Trata-se, pois, de consolidar essas intenções e, paralelamente, roubar alguns eleitores que ainda vacilam ou que manifestam simpatia pelas candidaturas que fogem da polarização.

Explica-se assim as manobras dos candidatos em torno de igrejas e religiosidade. Lula, que deseja o voto evangélico, chegou ao desplante de divulgar propaganda em que se apresenta como um “cristão que jamais fecharia uma igreja”. Respondeu a Bolsonaro, que o acusou de desrespeitar os fieis e seus templos sagrados. Bolsonaro, por sua vez, procura seduzir o eleitorado feminino, ao qual não dirigiu nem sequer uma palavra ao longo de seu governo.

O que vale é o desejo de impressionar, proteger os flancos, passar uma imagem positiva. Nas propagandas, não há espaço para os partidos políticos. Eles são escondidos, por receio da rejeição do eleitor. Fala-se generalidades, não há propostas concretas e as promessas jorram aos cântaros. É um modo de burlar a eventual expectativa dos eleitores, de motivá-los para que entrem em cena como “tribos” perfiladas em ordem unida aos chefes que se querem infalíveis. O eleitor médio não parece particularmente interessado. No máximo, acompanha as peripécias dos candidatos. Não ganha recursos para formar uma opinião consistente.

O quadro está como o diabo gosta.

Bolsonaro diz que sua postulação expressa a “luta do bem contra o mal”. Sugere, evidentemente, que ele representa o lado bom. Não demonstra com clareza que tipo de bondade praticará, depois de acumular uma folha de serviços maldosos e perversos nos últimos quatros anos. Apela ao sagrado, como se fosse uma espécie de ungido pelos céus. Usa e abusa da religião, da defesa da família, dos costumes tradicionais. A intenção é capturar o eleitorado mais conservador e religioso, temperando isso com seguidas vociferações antipetistas. Nada de novo.

Lula responde com uma moeda parecida. Diz que Bolsonaro está “possuído pelo demônio” e é um “fariseu, que manipula a boa fé de homens e mulheres evangélicos”. Lula parece confortável na posição de líder das intenções de voto. Até agora, não apresentou planos de governo, suas ideias são as mesmas de sempre: combate à fome, à desigualdade, mais emprego e crescimento econômico. proteção aos mais pobres. São coisas nobres e boas de serem ouvidas. Deveriam vir acompanhadas dos passos que terão de ser dados para que virem realidade. Sem isso, são promessas vagas.

Dada a partida, agora é ver como o jogo será jogado nas próximas semanas. Se tudo permanecer como no primeiro dia, a disputa esguichará sangue por todos os lados. Disputas polarizadas costumam avançar com elevação constante da temperatura. Esse padrão somente não se reproduzirá se candidatos terceiros entrarem em cena com força e propostas claras.

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Sizenando Alves Silveira
2 anos atrás

Falando em programa de governo ainda não apresentado, o candidato do PT, não lembro onde li, disse que vai recriar o ministério da cultura e que vai, por todo o país, instalar “comitês de cultura” que seriam voltados a estimular e apoiar a cultura popular. Gostaria de saber do que se trata e como funcionariam – esclarecendo como se relacionariam com diversos espaços de ação cultural já existentes da sociedade civil e do próprio poder público, como departamentos e secretarias estaduais e municipais, além de outros órgãos especializados. espero que nas próximas entrevistas e nos debates televisivos a proposta seja esmiuçada.

Gleici Zerbinatti
2 anos atrás

*Sempre preciso e minucioso! Obrigada pela leitura.

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