A primeira coisa que me perguntei ao final do debate de ontem à noite na Band TV não foi qual candidato se saiu melhor e qual foi o pior. Por volta da meia-noite, interessava-se saber algo diferente: o que ganharam os cidadãos brasileiros, aqueles cerca de 15-20 milhões que devem ter assistido ao programa até o fim?
Ficaram mais esclarecidos, descobriram detalhes desconhecidos, viram candidatos dispostos a dialogar e a apresentar propostas? Sentiram uma ponta de orgulho ao verem, na tela, brasileiros íntegros, qualificados, com domínio da linguagem e cientes da gravidade da situação nacional? Ou assistiram a um repeteco do que tem rolado por aí nos últimos meses?
Sim e não. Houve coisas boas, mas a prevalência foi das coisas ruins. Fomos expostos a um cenário com poucos políticos que pensam no Estado, na comunidade política, na reconstrução nacional. Um presidente e um ex-presidente da República devem ter feito corar os espectadores, decepcionados com a pobreza de ideias. Como esses caras chegaram ao principal cargo do Estado brasileiro?
Sejamos realistas. Houve um pouco de tudo. Os candidatos que lideram as pesquisas foram medíocres. Não foi assim por terem decidido esconder o jogo, mas por falta de repertório. Falas toscas, pensamento raso, tentativas de chamar atenção dos eleitores cativos. Lula e Bolsonaro fracassaram. Se a competição fosse equilibrada, teriam saído desgastados do debate. Mas a competição não é equilibrada. Ambos saíram do mesmo jeito que entraram.
Lula não estava à vontade. Parecia inseguro, surpreso com a agressividade dos adversários. Repetiu chavões que já não convencem. Lembram-se de mim 20 anos atrás, quando a vida dos pobres melhorou pela primeira vez na história desse País? Ora, a grande maioria não lembra nem está particularmente interessada em lembrar. Sabe que nessas duas décadas tudo piorou, quer ouvir coisas novas, que deem alento e esperança. Lula ofereceu mais do mesmo, e sem o brilho de antes.
Bolsonaro, que tinha a vantagem de ser presidente e poder exibir realizações, conseguiu mostrar que nutre profundo desprezo por tudo o que é correto, a começar dos protocolos do cargo que ocupa. Não respeitou a língua pátria, os símbolos nacionais, a cortesia, a educação, a gente brasileira, com suas dores e sua luta pela vida, as mulheres, a honestidade, a empatia e a compaixão. Mentiu e distorceu fatos como se estivesse roubando o sorvete de uma criança.
Mas houve coisas boas. Se a competição fosse equilibrada e o eleitorado se movesse pela razão, Ciro Gomes e Simone Tebet teriam saído do estúdio nos ombros da multidão. Deram um espetáculo de firmeza, elegância, bom humor, preparo, conhecimento, profundidade analítica e conteúdo programático. O País seria feliz se pudesse contar com um deles – melhor ainda, com os dois – na Presidência. Teria alguma perspectiva de que ao menos se procuraria abandonar rotas gastas, pedras já pisadas, práticas nefastas, toda uma sistemática política que fez o Brasil chegar onde está hoje, no fundo do poço.
Abusando do exagero e da metáfora, o palco da Band mostrou que existem, entre nós, duas sociedades.
A primeira jaz amarrada ao passado, é saudosista e passional, tem uma face generosa, democrática e preocupada com os brasileiros, e outra repleta de taras autoritárias, misóginas e perversas. Ambas as faces se repelem, mas compartilham a mesma incapacidade de olhar para frente.
A segunda sociedade também tem suas divisões. Parte dela é liberal, outra é desenvolvimentista. Não são faces que se repelem. Complementam-se, compartilham valores democráticos e propostas substantivas, podem perfeitamente caminhar juntas.
Essas duas sociedades conviverão durante um tempo que não se pode calcular, até o dia em que uma delas sobrepujar a outra. Se há alguma dialética histórica, a segunda sociedade está destinada a prevalecer no futuro.
O debate mostrou que nem tudo está perdido, mas que tudo ainda tende a se arrastar sem grandes mudanças. Estamos enfeitiçados por uma polarização suicida, que fechou as portas para outras proposições. É duro ver talentos como Ciro e Simone sem espaço para respirar, boicotados pelos próprios companheiros, emparedados por polos que não trazem nenhum futuro nas mãos.