O destino de Temer e o desafio da democratização

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A crise está servindo para que se decida não somente a sorte do governo Temer, mas algo muito mais sério: a sorte da redemocratização, que depois de 30 anos virou democratização mas não se estabilizou nem se adensou, e hoje se mostra necessitada de recomposição.

Uma coisa são as culpas e as acusações contra Temer. Tanto quanto as culpas de Dilma, Lula e Aécio, ou de que quem quer que seja, elas não implicam necessariamente a morte, a prisão ou a saída do personagem de cena.

Outra coisa é a margem de manobra de cada suspeito, culpado ou acusado. Ele poderá continuar a atuar, seja para se defender, seja para preparar uma saída, seja enfim para voltar ao centro do palco e arrematar sua obra.

Quando se acumulam indícios de crime, irregularidade, corrupção e abuso de poder, não dá para dizer que não existe nada ou que é tudo armação de gente inescrupulosa ou mal-intencionada. É impossível que seja inocente alguém que tem um prontuário volumoso ou que frequenta a boca do povo sempre por motivos estranhos ou ilícitos. Onde há fumaça há fogo, é uma lei da vida. É para descobrir a rota que existem investigações e inquéritos, que, quando bem conduzidos, são poderosas ferramentas de justiça.

Todo acusado, indistintamente, jura que é inocente, que está sendo perseguido e é vítima de uma conspiração. Lula fala isso, assim como Temer, Cunha, Dilma ou Aécio. São discursos idênticos, como se um copiasse o outro. Falam como se o mundo fosse uma única e enorme tramoia, trocando-se quando muito os sinais, ou seja, os que tramam e suas razões.

Conspirações evidentemente existem. Fazem parte da “natureza” da luta pelo poder, gostemos ou não. É ingenuidade manifestar surpresa diante delas. Mas não há porque vê-las em toda e qualquer curva da estrada.

Ninguém deveria se surpreender com a reação dos acusados. Enquanto não forem presos, processados e condenados, continuarão a agir, a tramar, a espernear. Se forem políticos, como é o caso, continuarão fazendo o que sabem: política, luta pelo poder, por influência e plateia.

Tudo isso é óbvio, mas nem sempre se leva na devida conta. Lula está aí, lépido, livre e solto, em que pesem as pilhas de denúncias e acusações contra ele. Não verga, ainda que cambaleie um pouco. Dilma conduziu o país a uma crise de proporções épicas, recebeu o impeachment, não teve os direitos cassados e hoje circula pelo mundo com ares de estadista.

Por que não poderá ocorrer o mesmo com Temer? Por acaso os eventuais crimes que cometeu são muito diferentes dos crimes cometidos pelos demais? Teria desaparecido sua margem de manobra?

Supondo, portanto, que Temer continue a se movimentar e a fazer política, o mais provável é que sobreviva com dificuldade e se torne uma sombra de si mesmo. Como todos os acima mencionados, aliás. Seu governo poderá ser salvo e seguir em frente, mas o piloto não poderá mais encarnar a persona presidencial que tentou representar no último ano. Será visto com desconfiança, assistirá ao crescimento de sua já reduzida popularidade, não poderá mais confiar em aliados que antes lhe juravam fidelidade absoluta. Dificilmente recuperará a força parlamentar que exibiu até então. Terá de ceder mais, negociar mais. Mas chegará a 2018, entregando ao sucessor um país exatamente igual ao que encontrou.

Será esse o preço que se pagará pela conquista de uma governabilidade que hoje parece perdida.

 

A defesa da democracia

Na base da comunidade política, a população continuará a se afastar dos políticos, decepcionada com eles. Continuará desconfiada de partidos e ritos parlamentares, vendo-os tão somente como coisas “deles”. Continuará sem saber como defender a democracia, por não saber direito o que ela lhe traz de benefício. Permanecerá em estado de espera, sem se mobilizar de forma expressiva. Seguirá achando que políticos e grandes empresários estão treinados para fazer o trabalho sujo, de costas para o povo. Continuará convencida de que o crime compensa.

A população não pode pensar diferente quando vê os irmãos Batista, em troca de uma delação, confessarem crimes cabeludíssimos mas não serem presos nem condenados, como se estivessem a receber um prêmio por serviços prestados à “Pátria”. Movimentaram bilhões, deitaram e rolaram, foram agraciados com empréstimos generosos do Estado brasileiro, circularam pelas altas esferas, tramaram com políticos de vários partidos, com presidentes, senadores e governadores, até com dirigentes de movimentos sociais. E aí fazem um acordo e se livram de tudo? Não é razoável.

Que se tenha tolerância e se dê o devido respeito aos prazos da Justiça, a seus ritos e narrativas, à necessidade de provas cabais, mas não é razoável que tudo se estenda por um tempo interminável. Lentidão em excesso revela parcialidade, temor, inoperância ou despreparo por parte da Justiça.

O atual momento da crise nacional está servindo para que se decida não somente a sorte do governo Temer, mas algo muito mais sério: a sorte da redemocratização, que depois de 30 anos virou democratização mas não se estabilizou nem se adensou, e hoje se mostra necessitada de uma recomposição. Até mesmo a Lava Jato, que está no centro do tablado e mexe suas peças com desenvoltura, ainda que nem sempre com cautela e discernimento, precisará ser reacomodada, pois tudo está avançando sem muito controle e sem muitos consensos.

Sendo assim, é de lamentar que tantas energias cívicas e políticas estejam sendo mobilizadas sem uma causa clara, um eixo, uma direção.

O momento pede que se invista na superação dos descaminhos da esquerda, na ultrapassagem da impotência propositiva dos democratas de esquerda e dos liberais democráticos, na construção de uma unidade política entre eles, no rompimento do silêncio da intelectualidade e da dispersão das elites e das lideranças.

É disso – da sorte da democratização – que se trata. E é disso que deveríamos nos ocupar.

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