Diário do Confinamento 10:
Caem as máscaras

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No dia em que uma comitiva de empresários conduzida pelo presidente invadiu o STF, Regina Duarte mostrou o papel que está disposta a representar na tragicomédia nacional.

7 de maio de 2020 ficará na História brasileira como o dia em que caiu por terra uma ideia de País. Os fios que nos organizaram como Nação romperam-se, perigosamente. Expôs-se à luz do dia o fracasso ético e moral de um governo que assumiu em nome da Pátria.  Nunca o patriotismo foi empregado de maneira tão torpe.

Começou com o dobre fúnebre doloroso anunciando as mortes por Covid-19. Elas cresceram assustadoramente (chegam a 10 mil e a centenas de milhares de infectados) e explodiram no sistema de saúde, como desde março vinham alertando os especialistas. Em seis estados, os hospitais ficaram sem leitos de UTI disponíveis. O bloqueio total (lockdown) passou a valer em Belém, São Luiz, Fortaleza. Tudo indica que será aplicado em São Paulo e no Rio de Janeiro. O cenário é de terra queimando, mortos sendo empilhados por incapacidade dos serviços funerários.

Depois, foi a vez de o presidente dar continuidade ao seu circo diário de horrores e paspalhices, suas exibições de desejo incontido de poder, grosseria e agressividade.

Recebeu em Palácio um bem nutrido grupo de empresários, bambambãs da indústria e do comércio, que lhe apresentaram um cenário de indústria arrasada e pediram providências urgentes para “salvar a economia”. Sem vacilar, o presidente reuniu a moçada, chamou seus ministros do coração – Guedes, Braga Neto, Heleno, Ramos, Azevedo –, agregou o filho senador e mais alguns assessores, atravessou a Praça dos Três Poderes e invadiu o STF, sem pedir licença ou agenda audiência. Chutou a porta, literalmente. Exigiu ser recebido pelo presidente da Corte, Dias Toffoli. Para completar a cena inusitada, o magistrado aceitou se reunir com o grupo todo, sem maiores medidas de distanciamento ou segurança sanitária. Submeteu-se. Foi pego de surpresa, mas não mostrou a firmeza que se espera do chefe do Judiciário. Mais tarde, disse ter agido para prestigiar o relacionamento entre os Poderes.

E o que desejava a comitiva macunaímica? Simples: cobrar do STF providências em favor do relaxamento da quarentena e das medidas restritivas impostas nos estados. A cara de pau foi vergonhosa, um escárnio. Patético e trágico ao mesmo tempo. Que a nata do empresariado queira defender seus negócios é compreensível. Mas fazer parte de uma caravana presidencial para coagir o STF é uma ousadia estranha, antissocial, repulsiva.

Esclareça-se que nenhum deles se desculpou pelo ocorrido.

A cereja do bolo, porém, foi despontando no correr do dia. Veio sem pompa, sem dignidade, sem adequação. Numa postura entre o ridículo e a estupidez, a secretária nacional de Cultura, Regina Duarte, concedeu longa entrevista à CNN. Quis mostrar força, anunciar seu retorno ao cargo. Nada falou sobre planos e projetos, mas soltou a língua em elogios à ditadura de 1964, debochou da tortura, ironizou mortos e desaparecidos, banalizou mortes e tragédias. “Na humanidade não para de morrer gente”, declarou, “onde tem vida tem morte”. Como se não bastasse, deu-se o direito de cantar, ao vivo, “Prá Frente, Brasil”, na melhor linha eu era feliz e não sabia. Conseguiu se divertir num momento particularmente grave e sombrio da vida nacional.

Foi um espetáculo deprimente, um dos mais asquerosos a que já se assistiu. Nenhum cidadão pode falar de cara limpa o que foi ali falado. Uma secretária de Estado, uma artista que se apresenta como militante da cultura, não tem o direito de exibir tanta ignorância, tanta indiferença, tanta sabujice. Fez um haraquiri. Em minutos, jogou no lixo o que lhe havia sobrado de dignidade artística. Não merece qualquer respeito.

Dói ter vivido para ver algo tão indigno.

Regina Duarte mostrou o papel que está disposta a representar na tragicomédia nacional. Falta-lhe caráter. É cúmplice do pesadelo em que estamos mergulhados. Seu reacionarismo explícito pode ter agradado ao bolsonarismo, mas revelou uma face que jazia represada (ma non tropo) na persona da “namoradinha do Brasil”.

As máscaras caíram de uma só vez. A do presidente já rolava pelo chão, chutada para cá e para lá. Foram para o espaço a dos empresários, a dos ministros e assessores, a dos militares que dão proteção à Presidência, a do próprio Dias Toffoli, atarantado sem saber como reagir.

Regina Duarte foi a cereja podre do bolo, ele também estragado.

Salus populi suprema lex esto. Nunca esta máxima do direito romano foi tão vilipendiada.

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