O governador de São Paulo João Dória e o prefeito paulistano Bruno Covas, ambos do PSDB, têm se comportado à altura dos cargos que ocupam durante a pandemia da COVID-19. Não lhes faltaram ousadia e determinação. Quebraram a cara em alguns momentos, mas sempre como parte de esforços para refrear a expansão do vírus.
Agindo com equilíbrio, ocuparam espaço importante na vida política nacional e no imaginário social, contrapondo-se aos desatinos, aos silêncios e à incompetência gerencial do governo federal. Adotaram medidas de isolamento social, procuraram dialogar com a população para explicar as razões da quarentena, buscaram reduzir a circulação de pessoas e automóveis.
Evitaram muitas mortes e conseguiram preservar, em parte, a capacidade de resposta do sistema de saúde. A população, porém, só os acompanhou em parte. A taxa de mobilidade sempre permaneceu alta. O estado acumula desde março 8 mil mortos e 11 mil casos confirmados da doença. A taxa de ocupação de leitos hospitalares chega a 84% na Grande São Paulo, 69% no conjunto do estado. Há mais de 12 mil pessoas internadas.
Por isso, é intrigante que, justo agora, quando a epidemia está em plena atividade, tenham decidido por em prática uma “retomada consciente” a partir de junho. Isso depois de terem, dias antes, acenado com a adoção de medidas de bloqueio total.
A longa quarentena não cansou somente a população, mas também os gestores e os políticos. Governador e prefeito escolheram por em risco o patrimônio político e gerencial que acumularam. Sem condições de convencer a população da necessidade de manter o isolamento e sem força para resistir à pressão de parlamentares, prefeitos e empresários, decidiram reabrir a economia. Cederam. Abandonaram a trilha técnico-científica que estavam seguindo. O mercado falou mais alto que a saúde, e bem num momento de ápice da contaminação.
Não foi só a economia. Foi também a política eleitoral. Ambos ficaram com receio de perder apoios importantes em um ano eleitoral. Covas é candidato à reeleição. Dória quer manter o que conquistou na centro-direita sem se distanciar do eleitorado bolsonarista existente no estado. Na eminência de verem a população enveredar pela “desobediência civil”, optaram por uma manobra ofensiva, de caráter bem pouco “científico”.
O plano por eles elaborado é complexo, de difícil compreensão e gestão, cheio de regras e protocolos. Para cada setor da economia haverá um acordo específico, com medidas sanitárias claramente estabelecidas. Prevê fases de flexibilização e regionalização que exigirão grande esforço gerencial e muita pesquisa em saúde. Sem dados e testagem (foram feitos, até agora, menos de 100 mil testes), não é de crer que se chegue a um porto seguro.
O plano, além do mais, foi apresentado junto com a prorrogação na capital da quarentena até 15 de junho, o que pode aumentar a confusão: devem ou não os paulistanos permanecer em casa?
Não por acaso, o prefeito Bruno Covas procurou enfatizar, em entrevista ao Estadão, que “o processo será controlado: não é abrir de qualquer forma, a expectativa é de fazer com a maior tranquilidade do mundo”, sem datas predeterminadas, para que ninguém fique sem proteção e atendimento. A ideia é manter ativa a fiscalização dos agentes da Vigilância Sanitária e das subprefeituras, ao mesmo tempo que em que convoca os setores para que se “autorregulem”.
Diga-se, em favor do prefeito, que ele de fato tem atuado com persistência e critério. “Estamos atravessando uma pandemia sem manual. Tudo aquilo que estava à disposição resolvemos implementar. Podem me acusar de qualquer coisa, só não podem me acusar de omisso”, declarou.
Não há, porém, como negar que a situação parece ter fugido do controle. Se reabrir, aglomera e o vírus agradece. Se não reabrir, a economia trava e a grita aumenta.
Mas é preciso refletir. Supondo que o plano funcione e seja assimilado pela população, quais respostas propriamente econômicas serão alcançadas? As pessoas voltarão às compras, terão coragem para circular de modo mais amplo, submetendo-se a medidas sanitárias que precisarão ser rígidas? Lojas e shoppings saberão controlar sua clientela, terão recursos para fazer isso? Irão se empenhar? E no caso das lojas e indústrias que reabrirem, que proteção será dada aos trabalhadores? Continuará tudo como dantes?
Por fim: se creches e escolas permanecerão fechadas, quem ficará com as crianças quando pais e mães forem trabalhar?