O quadro está se fechando. Domingo, 3 de maio, o presidente da República participou de novo ato contra o Congresso e o STF, em Brasília. Repercutiu tudo em suas redes. Ameaçou: “Nós queremos o melhor para o nosso país. Queremos a independência verdadeira dos três poderes, e não apenas uma letra da Constituição, não queremos isso. Chega de interferência. Não vamos admitir mais interferência. Acabou a paciência. Vamos levar esse Brasil para frente.”
No ato, jornalistas foram ofendidos. Os fotógrafos Dida Sampaio e Orlando Brito, o motorista Marcos Pereira, foram agredidos com socos e chutes por manifestantes. Informado, o presidente permaneceu no ataque: “Teria havido uma agressão lá. Teria havido. Não sei. Condenamos qualquer agressão. Não sei. Eu não vi nada. Recriminamos qualquer agressão que porventura tenha havido. Se houve agressão foi de algum infiltrado, algum maluco, deve ser punido”.
O presidente escolheu atiçar o fogo. Analistas, políticos e juristas disseram que cruzou o Rubicão. Dobrou a aposta, testando limites e obstáculos legais, provocando a paciência dos políticos, da população e dos Poderes da República. É uma atitude tão deletéria e agressiva quanto a do vírus. Um tipo alternativo de vírus.
Tudo sugere que o bolsonarismo, acuado, tenta armar um golpe para se prolongar no poder. O caos, o horror, a confusão, lhe são convenientes. Seu séquito espuma. Haveria mesmo 30% de cidadãos apoiando um governo flagrantemente inepto e perigoso? Irão se mobilizar para defender o presidente, levando o País para o precipício? Os políticos pisam em ovos, não conseguem saber. Não auscultam o coração do povo. O próprio povo não sabe o que pensar, o que fazer, deseja tocar a vida sem se preocupar com as artimanhas da política. Não entende que, para o bem e para o mal, será nas suas costas que a carga pesada cairá. A alienação dói, mas a dor não é localizada nem muito menos processada.
Pode-se esperar um aumento do consenso que se forma no STF em defesa da Constituição e da dignidade da Presidência. As reações no Congresso se acumulam, a indicar que piorou o ambiente para o presidente. Ninguém ganha com um governo que não está interessado em governar, que se debate sufocado por sua própria gosma venenosa, que destilou aos poucos, desde antes das eleições de 2018. É essa gosma que o protege em seu momento mais sombrio.
As Forças Armadas estão sob fogo cruzado. O presidente procura mobilizá-las, valendo-se do corporativismo que cultivou nas décadas em que foi parlamentar e dos generais que ocupam seu governo. Falou: “Vocês sabem que o povo está conosco, as Forças Armadas ao lado da lei, da ordem, da democracia, liberdade, também estão ao nosso lado. Vamos tocar o barco, peço a Deus que não tenhamos problema nessa semana, porque chegamos no limite, não tem mais conversa, daqui para frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição, ela será cumprida a qualquer preço”, afirmou o presidente.
Fontes militares acusam Bolsonaro de tentar usar o prestígio das Forças Armadas. Não dá para saber o que pensa o Estado-Maior, a média oficialidade, capitães e coronéis, que controlam a tropa, o generalato da ativa. Pode ser que germine por ali algum orgulho, um respeito à farda, uma sensação de que é preciso “cumprir o dever”. É uma incógnita. Mas as declarações militares são contrárias a qualquer golpe.
Enquanto as cartas vão sendo jogadas e os fatos políticos transcorrem, a pandemia segue desembestada. O país não tem controle sobre ela. Profissionais da Saúde, pesquisadores, especialistas, gestores, fazem o possível para monitorar a quarentena e incentivá-la, pois vidas estão sendo salvas. A Presidência permanece insensível, paralisada, olhando o próprio umbigo, tomado por suas obsessões e sua irresponsabilidade cívica.
O que virá amanhã, e depois de amanhã? Há uma névoa espessa envolvendo o futuro. A racionalidade democrática precisa acertar o tom, combinar serenidade e indignação, preocupação, prudência e defesa das instituições. Num universo de fios desencapados, riscos e dissonância, alguém precisa apontar um caminho. Ficou difícil.