Falando a sério sobre Alckmin

O presidenciável tucano permanece estacionado nas pesquisas. Ainda não entusiasmou os eleitores e não se reveste de uma fantasia cívica e democrática que empolgue. A adesão do "centrão" à sua candidatura irá ajudá-lo. Mas o estrago na parte substantiva terá de ser calculado.

É sabido que o presidenciável Geraldo Alckmin, do PSDB, tem trunfos importantes para vencer a eleição: um partido, experiência política como gestor, estilo moderado, torcida do mercado e acesso à máquina pública paulista, que há 20 anos vem sendo por ele modelada.

Apesar disso, não decola nas pesquisas e é alvo de todo tipo de críticas e restrições. Sua defesa tem argumentado que a disputa só começará mesmo quando a propaganda for para o rádio e a TV, quando então a candidatura arrancará, já num contexto em haverá uma inevitável depuração dos candidatos menos competitivos. O candidato mostra confiança e determinação, procura comer pelas bordas, quase em silêncio, como bom político interiorano que é. Pode ser que tenha razão. Mas sua campanha flerta ininterruptamente com a crise.

Alckmin é visto como insípido, conservador nos costumes, excessivamente fiscalista e neoliberal em economia, desatento para a questão social. Suas seguidas gestões em São Paulo dividem opiniões: há quem aprecie e quem critique, mas a rigor não há ninguém que se derrame em elogios e amores. O ex-governador é um democrata, mas não é um político que desperte paixões. Há muita injustiça no modo como é visto.

Como candidato, vem tentando dissolver a imagem negativa que fazem dele. Gosta de ser comparado a um maratonista, que avança lentamente, poupando fôlego e energia, para dar um arranque final vitorioso. Confia que parte da massa de eleitores indecisos, que é enorme, migrará para ele às vésperas do pleito. Procura exibir indicadores de sucesso na administração paulista, números quase sempre questionados pela oposição e nem sempre devidamente compreendidos pela população. Vale-se, também, de uma conduta discreta e educada, que o faz ser tratado como um governante prudente, conciliador, flexível, que não carrega rancores nem ressentimentos, trabalha de forma colegiada e com equipes multipartidárias, integradas por diferentes correntes políticas.

Alckmin se apoia nesses dois blocos imagéticos, cada um dos quais contém boa dose de verdade. Seu entorno e mesmo diversos políticos e analistas acreditam que ele é o homem certo para o momento atual, graças à capacidade que teria de agregar pessoas e manter sob controle o timão do barco e a chave do cofre.

Mas Alckmin permanece estacionado nas pesquisas e parece destituído de poder de convencimento. Não conseguiu até o momento gerar entusiasmo entre os eleitores, nem obteve o apoio explícito dos partidos que poderiam tê-lo como opção. Algo que surpreende e merece reflexão.

Tem demonstrado enorme dificuldade para fixar uma posição nacional que o projete para a Presidência em nome de uma articulação democrática que dê sustentação a uma agenda reformadora que combine equilíbrio fiscal, crescimento econômico e igualdade social. Particularmente na dimensão da “questão social” e das “lutas identitárias”, ele não consegue ganhar impulso, como se estivesse travado pelo fiscalismo liberal. O empenho que teve em sanear as finanças públicas em São Paulo é interpretado como expressão de um garrote que sufocou as universidades públicas e as instituições técnicas da administração pública. Com isso, perde pontos preciosos entre a intelectualidade e os núcleos de ativistas.

Pode-se considerar, ainda, que a estratégia política por ele seguida em São Paulo não lhe favoreceu em nenhum momento. Primeiro porque foi o principal responsável pela ascensão de João Doria, que ajudou a eleger prefeito de São Paulo e agora, não só concorre ao governo do estado como faz uma espécie de sombra à candidatura de Alckmin. Obrigado a se equilibrar entre Dória, candidato do PSDB, e Márcio França, vice-governador (PSB) e seu aliado, Alckmin perdeu a exclusividade em São Paulo. Fomentou simultaneamente a reação dos que não gostam de Doria e a resistência do PSB. Foi um erro, a ser compartilhado com o partido e as correntes tucanas. De certo modo, Alckmin ficou emparedado em seu próprio estado, travando a indispensável projeção nacional.

Essa é uma das pedras que o mantém parado no mesmo lugar. Mas não é a única. Outras duas pedras também o atrapalham.

Uma é o desencanto da população com a política, fato que celebra o sacrifício de candidatos “excessivamente políticos”, que são vistos como corruptos e distantes dos problemas reais da vida cotidiana. Processo objetivo derivado da atual fase da globalização capitalista e da crise da democracia representativa, tal desencanto colou-se na pele de Geraldo e de praticamente todos os demais candidatos, dele escapando, a rigor, somente Marina Silva, e mesmo assim não por inteiro. Hoje parece cristalizada a tendência do eleitorado de torcer o nariz para candidatos identificados com o establishment político, em nome de uma vaga ideia de renovação. Fato que ajuda a explicar os indicadores das pesquisas que dão conta de um enorme contingente de eleitores sem candidatos, desinteressados e dispostos a anular o voto.

A segunda pedra é a crise do PSDB. Já faz tempo que o partido deixou de ser uma organização coesa. Suas alas se reproduzem com impressionante facilidade, ressentindo-se da falta de uma direção ativa e legitimada, de um corpo doutrinário atualizado e de um programa unificador. A ideia social-democrática, que serviu de inspiração para o surgimento do PSDB há trinta anos, já não é mais uma inspiração. O partido ainda tem bancadas expressivas, governa estados e cidades importantes, mas carece de vibração cívica e de ligações com a sociedade civil. Mesmo a intelectualidade que sempre emprestou apoio ao PSDB recuou, deixando o partido sem sustentação no plano do debate público. Sua longa temporada na oposição aos governos petistas não o fez mais forte, ao contrário, deixando no eleitorado a sensação de que o partido existe só para disputar o poder e não para oferecer uma perspectiva de Estado e sociedade para a população – problema idêntico ao que os tucanos identificavam no PT.

Em 2014, o PSDB perdeu a Presidência mas teve, paradoxalmente, sua maior oportunidade de reencontrar o eixo. A campanha de Aécio Neves ativou o sentimento antipetista e, no segundo turno, conseguiu articular uma ampla frente democrática de apoio. O candidato, porém, esteve sempre aquém dela, fez uma campanha pífia, sem vigor e identidade . Perdida a eleição, o partido nada fez para se reagrupar e ganhar energia. Pouco depois, as denúncias de corrupção contra Aécio não conseguiram ser processadas, retirando do partido a imagem ética e moral que sempre exibiu. Com o início do governo Temer, mais indefinições, num cenário em que se esperava que o PSDB funcionasse como o fator de estruturação do ministério e da atuação governamental.

Tudo isso empurrou o PSDB para a periferia do sistema. A postulação ética, cara ao partido, se dissolveu e ficou em suspenso. As seguidas denúncias de corrupção em obras no estado de São Paulo completaram o quadro, descarregando um caminhão de problemas na candidatura de Alckmin.

Com todas essas pedras bloqueando a estrada, não é de surpreender que Geraldo Alckmin permaneça estagnado. Faltando três meses para as urnas, muita coisa poderá mudar, mas a sensação é que aquilo que se cristalizou dificilmente será superado.

O candidato tucano tem a seu favor uma conhecida folha de serviços e boa estrutura de campanha (que poderá se traduzir em importante recurso governamental no caso de uma vitória), mas paga um alto preço pelos descaminhos e tropeços do PSDB. Enfrenta problemas de indefinição programática, não deixou claro que caráter terá seu eventual governo e, para complicar, não se reveste de uma fantasia cívica e democrática que mobilize a população.

Nessa marcha, corre o risco de chegar à fase decisiva das eleições sem conseguir sair do lugar.

A boiada do “centrão”

A anunciada adesão dos partidos do “centrão” à candidatura de Geraldo Alckmin, salvo melhor juízo, tem um corte aritmético: agrega alguns minutos a mais ao tempo de rádio e TV do presidenciável tucano, roubando esse mesmo tempo de outros candidatos que também cortejavam as siglas. É um fato novo e importante, pois aprofunda o isolamento de algumas candidaturas e dá a Alckmin mais oxigênio e musculatura.

Mas a operação é complicada. A derivação feita pelo “Centrão” foi marcada por estimativas nada inocentes, de perfil pragmático. Não se passou um cheque em branco e almoço grátis só na casa da mamma, e olhe lá. Foi uma decisão que se afirma com pretensões eleitorais, de curto prazo, e com pretensões de longo prazo, com as quais seus representantes querem garantir a presença de suas digitais no eventual governo tucano. Se Alckmin não vencer, os políticos do “Centrão” imaginam que terão força suficiente para negociar espaços com o vencedor. De certo modo, ganham nos dois casos.

Há uma dimensão paradoxal no acerto: um dos candidatos que mais têm batido na tecla do gerencialismo racional, da ética pública e do rigor fiscal é forçado a se aproximar de um bloco fortemente identificado com o fisiologism0 e a política tradicional do toma-lá-dá-cá. É um paradoxo que mostra a força do tradicionalismo político e revela que a “velha política” é em boa medida a política realmente existente. Com o gesto, com a aceitação da chegada do “centrão” à sua campanha, Alckmin dá mostras de realismo, da necessidade de “fazer política” com os dados da realidade: a realpolitik seria, assim, o suposto de uma governabilidade a partir da qual algo novo poderá ser proposto.

A aposta é que o poder de fogo do “centrão”, seu apetite desmesurado, poderá ser adequadamente administrado, para que não atrapalhe os planos presidenciais.

A aproximação agora anunciada repõe um problema que não foi até hoje devidamente equacionado pelos democratas: como dosar o apetite do fisiologismo tradicional, que tem se mantido ativo em todos os governos das últimas décadas, de FHC a Temer, passando por Lula e Dilma?

Não há qualquer certeza de que o apoio do “centrão” trará mais eleitores a Alckmin. Pode mesmo funcionar em sentido oposto. A aposta de que mais tempo de propaganda gera automaticamente mais votos deve ser sempre feita com um ponto de interrogação à frente. Ainda mais hoje, que nem TV direito as pessoas assistem.

Em contrapartida, fica-se com a percepção de que Alckmin armou para si próprio uma arapuca. Obrigou-se a fazer mais concessões programáticas e operacionais durante a campanha, por exemplo. Se for eleito, terá de entregar preciosos cargos de 1º e 2º escalão, que serão postos num cesto de difícil gestão racional ou realista. Seu governo poderá ficar refém de uma banda podre do Congresso Nacional e até mesmo ser asfixiado por ela.

Os jornais dão conta de que, para os políticos do “centrão”, tudo está sendo amarrado e colado para ser levado à prática a partir de janeiro de 2019. A deixa é dada pela ideia de “repartição do poder”, que no fundo nada mais significa do que o controle do poder pelo bloco dos que se coligarem agora, com direito a simplesmente tudo: dos ministérios e das diretorias de empresas à presidência da Câmara e do Senado.

Se vai dar certo, é outra questão.

Chama atenção o fato de que o desfecho do processo se deveu a Valdemar Costa Neto (PR), um dos campeões nacionais do fisiologismo, e implicou a defenestração do coordenador da campanha de Alckmin (Marconi Perilo) e a indicação do vice-presidente na chapa tucana, para cujo cargo foi oferecido o nome do empresário Josué Gomes.

Jogo sendo jogado.

Política é dinamismo, nuvens que se movem e se deslocam repentinamente. Pode ser que a anunciada articulação seja mesmo benéfica a Alckmin e lhe dê o impulso de que necessita. Ele está jogando com as regras prevalecentes na política brasileira. E conseguiu uma vitória, ao amarrar a noiva, que se oferecia, como sempre, para todos os demais pretendentes.

Para alguém que enfrenta dificuldades e tem mostrado, até agora, baixo poder de persuasão e convencimento, é algo para comemorar.

Mas o estrago na parte substantiva do jogo terá de ser incluído nos cálculos. Alckmin precisará dar nó em pingo d’água para se apresentar como propenso a renovar as práticas políticas e inovar em termos gerenciais. E terá de descobrir um modo de “disciplinar” a boiada que lhe será entregue caso vença as eleições.

Sem isso, poderá até governar, mas terá de arquivar eventuais planos racionalizadores e de inovação que tem tentado colar à sua imagem.

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Paulo Antunes
6 anos atrás

Parabéns professor, um diagnóstico bastante correto e competente do momento da campanha do Geraldo Alckmin, em especial com a novidade do “Centrão” aderindo à candidatura.

Não sei mesmo como pode ser diferente para “tentar” ganhar a eleição. Combinar tudo agora e depois não cumprir, seria um desastre. Não combinar, não tem parceria e apoio de outras organizações partidárias como acontece com a Marina Silva.

O fato é que o fisiologismo político é um dos canceres a serem extirpados da vida política nacional.

Daí, a centralidade da questão de haver reforma política, tema também provoca inúmeras divergências, em especial no tema que trada da amplitude da mesma. E, esperar que políticos da laia que aí estão realizem a reforma política que lhes obstaculize o caminho, é acreditar em Papai Noel, não é mesmo?

Outra constatação é de que o chamado “toma lá, dá cá” tem vigorado no país pós ditadura e só piorado ao longo dos sucessivos governos. Claro que o PT e suas lideranças fizeram potencializar isso e agora estamos nesse estágio onde a sociedade vira as costas aos “políticos profissionais”, que aliás, sempre lhes viram as costas pós eleições.

Também é fato que vivemos pobreza de lideranças competentes e confiáveis. Os homens e mulheres que brilharam na luta pela democracia, diretas já, anistia, já se foram e os que ainda existem estão aposentados. A única liderança popular, Lula, preso, enredado em inúmeros processos e prestes a ser condenado em pelo menos dois deles, também foi e é outra decepção para o povo, que quando o elegeu, acreditou que finalmente um dos seus assumiria o poder e daí em diante seria tudo diferente. Não foi! Foi pior. Piorou tudo.

Entre a cruz e a caldeirinha está o eleitor e o povo brasileiro: Ciro e Bolssonaro são as ignições para no imediato pós eleição botar mais fogo no país, fazer o país andar mais para o passado, para o atraso, incivilidade, corrupção, desmazelo com a gestão e os serviços públicos, ignorância, porque a educação não é nem mencionada em nenhuma das candidaturas. E, quando falo em educação não é aquela do discurso fácil da valorização do professor e da construção de escolas. Não, é a da verdadeira revolução que o país tanto necessita.

Daí, como vem propondo o Grupo Roda Democrática que acompanho e compartilho nas redes sociais, a urgência de encontrar uma candidatura que se comprometa com a democracia, com o combate extremado da corrupção, com avanços revolucionários na educação, com programa nacional e progressista, que revogue o populismo, a estatização extremada, que controle os agentes do mercado para que esses realizem suas atividades dentro do melhor da prática do capitalismo, respeitando a concorrência e oferecendo serviços, produtos corretos para consumidores, cidadãos e população em geral.

Nessa busca é possível mesmo identificar pelo menos três candidatos; o já mencionado Alckmin, Alvaro Dias e Marina Silva, esta com bastante cuidado tendo em vista seu olhar avesso às alianças um pouco para além de suas convicções. Alvaro Dias também padece desse digamos “radicalismo” de princípios, mas está a alguns pontos a frente de Marina Silva. Alckmin que está estacionado nas pesquisas, como bem pontua em seu artigo, conseguiu esse movimento no tabuleiro do xadrez eleitoral, mas as notícias e as possíveis deturpações sobre os supostos conteúdos dos acordos que levaram a essa aproximação precisam ser muito bem explicados pelo candidato para que não piore ainda mais os seus índices.

Hoje no Twitter Geraldo Alckmin se apressou para explicar que não há acordo com o Centrão e com o tal do Paulinho da Força para resgatar o imposto sindical. Menos mal. Mas certamente muito mais está em jogo e deve ter sido discutido e acordado, prometido. Vamos a ver!

Paulo Antunes
6 anos atrás

Obrigado Marco Aurélio Nogueira. Vamos acompanhar, vamos olhar atentamente esse processamento.

Luiz Antonio Palma e Silva
6 anos atrás

“O empenho que teve em sanear as finanças públicas em São Paulo”: ok Marco Aurélio, mas sejamos claros, qual foi sua prioridade de gasto? Metrô, Rodoanel, estradas, grande obras, presídios – no modus operandi das grandes empreiteiras. Não saneou as finanças!!! E sim, “sufocou as universidades públicas e as instituições técnicas da administração pública”. Para tando, cultivou uma imagem desconexa, pois como governador do estado e chefe da administração estadual, fazia declarações de que o privado é sempre melhor e mais econômico do que a administração pública. “Com isso, perde pontos preciosos entre a intelectualidade e os núcleos de ativistas”. Todo esse seu jeito de interiorano modesto é uma veste batida e manchada – e para usar uma expressão ingênua – “pelas más companhias” que o bonzinho não teve como evitar. Tem mancha que não sai!

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