Dado o histórico dos expoentes do bolsonarismo, não chegam a surpreender as declarações do deputado Eduardo Bolsonaro divulgadas na manhã da quinta-feira 31 de outubro.
Mas elas são espantosas, escandalosas. Estão causando repulsa generalizada e profundo mal-estar na política nacional.
Até semanas atrás, o deputado era candidato a representar o Estado brasileiro em Washington. Posava de estadista, de alguém talhado para se movimentar no xadrez internacional, atividade que, para ele e para seu pai, não requer maior preparo ou experiência. De modo recorrente, ele exibe despreparo e falta de temperança, distanciando-se ostensivamente da figura de estadista, que ele traduz de forma invertida: em vez de falar pelo Estado, porta-se como alto-falante de um nicho ideológico fanatizado e cego para a complexidade do mundo.
Ao dizer que tem informações de que as manifestações no Chile estão vinculadas ao “Foro de São Paulo” e podem ter sido financiadas por dinheiro desviado do BNDES, o deputado se intromete indevidamente nos negócios chilenos, além de acender uma fogueira dentro do Brasil. Esbofeteia parte expressiva dos cidadãos brasileiros.
“Estarrecedoras”, “repugnantes” e “irresponsáveis” foram os adjetivos mais suaves empregados pelas inúmeras pessoas (militares, parlamentares, juristas, sociedade civil) que repudiaram as declarações do deputado. O pai presidente disse que o filho estava “sonhando” e lamentou que tenha falado o que falou. Pouquíssimos o defenderam. Muitos pediram sua cassação.
Eduardo nem sequer se preocupou com a Constituição e a verdade dos fatos. Dispara sua verborragia com enorme desfaçatez. Para ele, havendo manifestações de rua como as que estão a sacudir o Chile, o tratamento terá de ser policial, duro, violento. “Se a esquerda radicalizar a esse ponto, vamos precisar dar uma resposta. E essa resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada via plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada”, afirmou.
O deputado talvez não saiba, mas a “resposta italiana” a que se refere ocorreu durante o fascismo, em 1929, quando as eleições foram substituídas por plebiscitos, nos quais o povo dizia sim ou não a uma lista de candidatos escolhida pelo Grande Conselho Fascista.
Quanto ao AI-5, ele com certeza está bem informado, pois as medidas de exceção, o autoritarismo e o desrespeito às garantias constitucionais são objetos de desejo dos Bolsonaro. Editado em dezembro de 1968, o Ato Institucional nº 5 revogou direitos fundamentais e delegou ao presidente da República o poder de cassar mandatos de parlamentares, intervir nos municípios e Estados. O Ato suspendeu princípios importantes, como o habeas corpus, e restringiu dramaticamente as liberdades. A partir dele, a violência, a censura, o arbítrio e a repressão aumentaram.
A apologia do endurecimento político, o elogio à ditadura e ao passado autoritário, serviu para que o deputado atacasse, com veemência e desprezo, a esquerda: “A gente, em algum momento, tem que encarar de frente isso daí. Vai chegar um momento em que a situação será igual ao final dos anos 1960 no Brasil, quando sequestravam aeronaves, quando executavam, sequestravam grandes autoridade como cônsules, embaixadores, execução de policiais, de militares”, disse. “É uma guerra assimétrica, não uma guerra onde você está vendo seu inimigo do outro lado e você tem que aniquilá-lo, como acontece nas guerras militares. É um inimigo interno, de difícil identificação aqui dentro do País. Espero que não chegue a esse ponto, mas a gente tem que estar atento.”
De uma só tacada, Eduardo Bolsonaro provocou, agrediu e exibiu ignorância. Falou de “esquerda”, “radicalização”, “inimigos internos” e “guerra assimétrica” sem se preocupar em definir do que está precisamente falando. E sem se importar em pagar de autoritário, de adversário da Constituição e da democracia.
É a cara de um Brasil mitificado e perverso, que o bolsonarismo insiste em recuperar. Um Brasil que não é dos brasileiros, mas de um segmento assentado no ódio, na violência, na mesquinharia. E que, ciente de seu isolamento, esbraveja e esperneia, jogando no lixo a racionalidade, o equilíbrio, a serenidade.
No dia seguinte, dada a repercussão, o deputado recuou e pediu desculpas. Ficou pior que o soneto. No Twitter, ele escreveu: “Não cometi crime. Quem tem que me julgar é o meu eleitor”.
Não, não é. É a sociedade brasileira, por meio de suas instituições jurídicas e políticas. São seus pares no Congresso. São os cidadãos, organizados como comunidade política.
Tudo somado, o filho 03 acumulou motivos para ser denunciado e cassado.
A pergunta que fica é: por que justo agora? O que há por trás da apologia doentia do autoritarismo e da violência. Que demônios assombram a mente dos Bolsonaros?
As declarações de Eduardo coincidiram com uma subida de tom da família nos últimos dias. Ela aumentou as agressões à imprensa e anunciou sua disposição de sair por aí caçando “hienas” de todos os tipos, como se tivesse as mãos livres para tanto e pouco ligasse para o ridículo.
Seria uma “distração” para desviar as atenções do caso do porteiro, peça da enigmática denuncia de que os assassinos da vereadora Marielle teriam se reunido no condomínio em que mora Jair Bolsonaro, horas antes do crime? Seria uma reação ao risco crescente de isolamento, um fogo de artifício para mobilizar os bolsonaristas-raiz?
Em vez de cuidar do fundamental – governar, resolver os problemas nacionais e as desgraças que se abatem sobre o País – os Bolsonaros optam por guerrear contra adversários abstratos, “inimigos internos” fantasmagóricos que povoam suas mentes envenenadas.
Adotam um estilo tosco e belicoso que ameaça o País e faz com que lateje a sensação de que 2018 foi o início de um retrocesso que nos empurrará a todos ladeira abaixo, caso nada seja feito. Um basta precisa ser proclamado em alto e bom som.
O democratas precisam ser mais que reativos. Devem assumir plenamente a condição de pedagogos, de educadores, até para resgatar os setores sociais que orbitam o bolsonarismo e aceitam suas proposições alucinadas. Não há somente ignorância e reacionarismo nestes setores: há também desesperança e desilusão, decepção com as promessas políticas não cumpridas, nojo da corrupção e da impunidade, cansaço com a polarização ideológica, com os blablablas populistas e personalistas, com a soberba dos partidos. Deve-se trabalhar para que o ódio que pulsa seja contido por um expansão do “amor” (como fala o Emicida mais recente) e pelo diálogo. A população sofrida, irritada, decepcionada, precisa ser procurada com respeito, paciência e generosidade.
Sem compreender isso, a oposição ao bolsonarismo não sairá do lugar.
Países que se auto-arruínam não são figuras de retórica. São possibilidades reais. Perder o bonde da História, caminhar como baratas tontas na contramão do processo civilizatório, são manobras reacionárias que criam destroços difíceis de serem varridos.
Muito bom! É isso: “Os democratas …devem assumir plenamente a condição de pedagogos, de educadores, até para resgatar os setores sociais que orbitam o bolsonarismo e aceitam suas proposições alucinadas…Não há somente ignorância e reacionarismo nestes setores: há também desesperança e desilusão, decepção com as promessas políticas não cumpridas, nojo da corrupção e da impunidade, cansaço com a polarização ideológica, com os blablablas populistas e personalistas, com a soberba dos partidos. “