Hora da verdade e da ousadia

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As coisas não podem ficar como estão. Chegou-se a um ponto em que ou alguém põe o guizo no gato ou o castelo cairá. Ou o que sobrou do castelo. As ruas e a sociedade civil, o que houver de energia e discernimento nos partidos e os movimentos sociais precisam encontrar um ponto de unidade e convergência, a partir do qual interpelar os eleitores.

Não basta ser, nem dizer que é. É preciso parecer, demonstrar, deixar evidente que é honesto e ser visto assim pelos outros. Especialmente numa sociedade do espetáculo.

Os grampos e as gravações da JBS dando conta de conversas e tratativas escabrosas do presidente Temer, assim como de maletas de dinheiro recebidas por Aécio Neves, fecham o círculo aberto pela Lava Jato.

Agora, abraçados como siameses, descem ao inferno personagens e partidos que mandaram na política brasileira nas últimas décadas. Lula (com Dilma a tiracolo), Temer e Aécio, o PT, o PSDB e o PMDB chafurdam no pântano por eles criado. Sem falar da legião de assessores, ajudantes, colaboradores, asseclas e tarefeiros que com eles trabalhavam, pessoas como Dirceu​, Cunha, Palocci, Padilha, Moreira, Vaccari, Mantega, Cabral, para lembrar os mais conhecidos e importantes.

Juntos e misturados, esbofetearam a República. Terão de comer o pão que o diabo amassou.

Desdobramentos se sucedem. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a prisão do senador Aécio Neves, mas o ministro Edson Fachin recusou. A irmã de Aécio foi presa e Aécio já foi afastado do mandato de senador. Até um procurador da República foi preso hoje cedo.

Comemorar o fato como se fosse a queda da Bastilha, porém, é deixar de considerar o que mais há nas delações dos irmãos Batista. É lamber os beiços antes de provar o doce. É achar que nada mais ocorrerá. Ou seria preciso lembrar, a esta altura, que a onda do tsunami aponta para os relacionamentos entre JBS e BNDES durante os governos petistas? A delação da empresa compromete Aécio e Temer, com certeza, mas escancara uma ferida que muitos gostariam de ocultar.

Os fatos estão a comprovar que não há um golpe contra o PT. A Lava Jato é universal, e se universaliza mais a cada dia que passa. A salvação não está no PT, mas também não está fora dele. O PSDB, que buscou ser uma alternativa ao petismo, não se qualificou. Ao contrário, perdeu tempo, tergiversou e se fingiu de morto, postergou uma depuração que se fazia indispensável há tempo. Hoje, flutua sobre seus escombros.

As coisas não podem ficar como estão. Chegou-se a um ponto em que ou alguém põe o guizo no gato ou o castelo cairá. Ou o que sobrou do castelo.

Saídas não estão à vista

O que extrair dos fatos? É pergunta que se fazem 10 entre 10 brasileiros. O que virá amanhã, e depois de amanhã? Como sairemos do lamaçal em que nos deixamos enfiar, ano após ano, governo após governo?

Entregamos os destinos do país a pessoas e partidos desqualificados para a tarefa, e teremos agora de fazer o caminho de volta, seguindo as sementes, para ver se reencontramos as promessas da redemocratização dos anos 1980-1990. Para ver se nos achamos, depois de gastar adrenalina à toa numa polarização ridícula que estraçalhou o que havia de melhor na esquerda democrática e no campo liberal-democrático.

Há a histeria esquerdista típica, preguiçosa, passional, que vê na Globo o aríete golpista por excelência, pronto para atacar quem o desafia. “Persegue” Lula e liquidou Dilma porque tem horror ao “cheiro de povo”, e agora ataca Temer porque o considera impopular demais para realizar os planos do “grande capital”. Essa ala não faz política: extravasa suas fantasias. E agride quem não coincide com elas.

Há os que fazem da sensatez e da serenidade um valor, mas que pouco apresentam de proposições práticas. Acreditam, com razão, que se deve ir com calma ao pote, pois não se sabe bem qual a qualidade da água que há nele, nem se água existe. Mas não conseguem dizer o que é preciso fazer. Buscam nomes e vias alternativas, torcem pela renúncia de Temer e pelo encontro de uma opção que reúna o que sobrou dos destroços, sem muita dor. É uma ala que, hoje, está chocada e desnorteada com a velocidade e a profundidade dos fatos, que tem dificuldades para encontrar uma rota de fuga e que se ressente dramaticamente da ausência de quadros e lideranças. Recorre ao tempo para ver se acha um eixo. Em que pesem titubeios e meneios realistas, é uma ala que reúne em seu interior parte ponderável da sabedoria política nacional, o que lhe dá força e destaque.

E há os mais apressados, desejosos de protagonismo, que pensam em impeachment e eleições diretas. São “ultrarrepublicanos” (alguns de verdade, outros por conveniência), podem ser de esquerda ou de direita, e coincidem no mesmo pecado de não avaliarem os ganhos e perdas das opções que julgam ser as melhores. Mas têm o mérito de buscarem laços entre a política e a população, valiosos e indispensáveis no momento.

Entre tais alas e apesar delas, há todo um país se perguntando para onde ir.

Eleições diretas serão sempre bem-vindas. O Congresso que está aí – com seus parlamentares, seus partidos, seus regimentos, seu sistema – não nos representa faz tempo. É uma clonagem do que há de pior na sociedade. Não ocorre somente com Temer: já faz tempo que presidentes brasileiros navegam na contramão da História, sem capacidade para dialogar com os cidadãos, sem eficácia gerencial, sem liderança ética e política. Os partidos são agências de negociatas que só levam em conta os próprios interesses. As delações dos últimos tempos, incluindo a de ontem e a de anteontem, só fazem atestar isso. Batemos no fundo do poço, e não é de hoje.

Eleições diretas podem ser a solução, mas não são necessariamente a única solução. Nunca foram, não podem ser vistas de modo principista. Devem ser analisadas com cuidado, em um cardápio mais amplo, no qual figura a escolha indireta de alguém que conclua o mandato de Temer. Essa, porém, que seria mais uma medida emergencial, carrega a mácula da falta de representatividade, independentemente do nome que vier a ser cogitado.

Eleições diretas, no caso concreto, terão de ser adequadamente preparadas e precisam trazer consigo uma cláusula pétrea: nenhum suspeito, nenhum acusado, investigado ou réu, em primeira ou segunda instância, poderá delas participar como candidato. Precisamos de um cordão de isolamento, uma garantia a mais de que as eleições significarão um passo à frente, um avanço, uma solução efetiva. Sem isso, não passarão de uma farsa, que jogará no lixo tudo o que já se apurou sobre a corrupção e tudo o que já se conseguiu com a democracia.

A partir daí, que as forças vivas da nação, as ruas e a sociedade civil, o que houver de energia e discernimento nos partidos e os movimentos sociais, encontrem um ponto de unidade e convergência, se ponham em marcha e passem a medir forças para interpelar os cidadãos, a eles apresentando ideias novas, consistentes, distantes do malabarismo marqueteiro, da demagogia populista e do radicalismo estéril.

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Luiz Paulo Costa
7 anos atrás

A solução para a grave crise política atual passa pelo absoluto respeito à Constituição Federal. O presidente Michel Temer vai responder a inquérito no Supremo Tribunal Federal com base na delação premiada do dono da JBS. Se provada a sua culpa será processado, julgado e punido com o afastamento do cargo. Neste caso haverá vacância do presidente e vice nos dois últimos anos de mandato.
O artigo 81 da Constituição Federal determina que haja eleição pelo Congresso Nacional para os dois cargos depois de trinta dias da última vaga para complementar o período dos antecessores. O calendário eleitoral previsto pela Constituição Federal determina eleição para presidente e vice em 7 de outubro de 2018. Qualquer solução que não seja essa poderá acabar em retrocesso político-institucional.
No entanto, devido à gravidade da crise política que atinge toda a representação parlamentar é preciso ir além. Nas eleições de 7 de outubro de 2018, é preciso que as regras eleitorais sejam as mais democráticas possíveis, assegurando aos candidatos por partidos políticos ou mesmo avulsos condições iguais para concorrer aos cargos eletivos.
Assegurando-se também maior protagonismo nas decisões políticas aos cidadãos com base na democracia participativa consagrada no Parágrafo Único do Artigo 1º da Constituição da República: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, na forma desta Constituição.”
Proponho, assim, a realização de plebiscito conjuntamente com as eleições para decidir:
a) Convocação de Assembleia Nacional Constituinte exclusiva para a Reforma da Constituição de 1988, formada democraticamente por constituintes eleitos pelo voto direto dos eleitores brasileiros, na proporção de um eleitor um voto; ou
b) Promover a reforma da Constituição de 1988 pelo voto da maioria absoluta dos deputados federais e senadores eleitos em 7 de Outubro de 2018, mais os senadores já eleitos na eleição passada para um mandato de oito anos?
E é preciso continuar passando o Brasil a limpo pelo Poder Judiciário.

Luiz Paulo Costa
7 anos atrás

Compartilhei a sua análise da crise política atual que vem obtendo muitas visualizações, curtidas e até outros compartilhamentos.

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