Nada mais justo do que comemorar os 200 anos da Independência.
É uma data de todos. Não tem donos, nem partidos que possam chamá-la de sua.
A politização do Sete de Setembro presta um desserviço. Faz parecer que a Independência tem um lado, quando o correto seria comemorá-la como um episódio histórico associado à construção da Nação. Ou seja, do povo nacional, com suas glórias e tradições, suas dores e sua vontade de ser melhor, que precisa fazer do conhecimento do passado uma alavanca para projetar um futuro melhor.
Ainda que soterrado, o passado vive mediante atualizações e revisitas. Ele “fala” por meio do prolongamento de algumas de suas grandes mazelas, não tanto de seus grandes heróis. No Brasil, a colonização e a escravidão pulsam em várias partes do País. Condicionam fatias enormes do ser brasileiro, da sociedade inteira, de milhões de pessoas.
Estruturas políticas, sistemas econômicos, formas de tributação e de exploração (do homem e da natureza), reiteradas ao longo do tempo, deixaram marcas profundas nos presentes que se sucederam na história. Impregnam o presente atual. Condicionam o modo como se pensa e se constrói o futuro.
Esses pedaços do passado precisam ser conhecidos e decodificados. Fazendo isso, compreenderemos melhor a vida que vivemos hoje e o futuro que poderemos ter.
A Independência de 1822 tem seu lado simbólico. É ele que impulsiona sua comemoração. Mas o importante é seu lado “material”: o que ela significou de fato? O que nos legou? Representou tão somente uma data perdida no pretérito ou sempre se tratou de um processo, mediante o qual nossa comunidade de homens e mulheres foi-se constituindo como Nação?
Como processo, a Independência ainda está em movimento. Já teríamos atingido o seu ápice, a sua plenitude? Somos de fato uma Nação soberana, uma comunidade de livres e iguais?
Bater no peito e proclamar que somos independentes é fácil, mas não corresponde aos fatos.
Até porque hoje, no mundo globalizado, países independentes são sempre mais interdependentes. Estão obrigados a compartilhar espaços, recursos e diretrizes. Sua soberania é limitada. A independência real precisa ser encaixada nesses contexto.
Mais ainda: países realmente independentes são países cujas sociedades produzem equilíbrios, justiça e igualdade. São países governados com critério e sabedoria por governantes admirados pela população. Aqueles que os governam são responsáveis e agregadores, não atuam para dividir, polarizar, criar atritos. Não tratam os símbolos nacionais como armas para lhes dar maior poder. Países realmente independentes são dotados de um Estado que protege os mais fracos e garante seu crescimento, que responde às expectativas sociais e atua para pacificar a sociedade, fazê-la evoluir, ajudá-la a se educar e a se cuidar. São países em que os cidadãos são interdependentes, cooperativos, solidários.
A constatação dolorosa de que estamos longe disso deveria, no mínimo, moderar a comemoração da Independência. Convertê-la num momento de reflexão, num convite para que se compreenda até onde chegamos e o que falta para sermos efetivamente independentes.
Não há muito o que comemorar. E ver o presidente da República, no palanque do ato comemorativo em Brasília, beijar longamente uma primeira-dama constrangida para depois repetir “imbrochável, imbrochável”, é uma cena que envergonha a nação e mostra bem o nível a que chegamos, 200 anos depois.
Prezado Professor Doutor
Não há muito a comentar, uma vez que seu artigo é perfeito, lógico e fundamentado com muita clareza. Deve ser divulgado e, se possível analisado em todas as escolas do país, de todos os níveis de ensino. Parabéns!
Muito obrigado, Neide. Fico feliz com tua recepção e teu generoso comentário. Abraço