Lula faz música com o passado

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Ex-presidente promete governar com Alckmin, negociar o tempo todo e adotar o tripé "credibilidade, previsibilidade e estabilidade"

Assim como ocorreu com Bolsonaro na segunda-feira passada, Lula também encontrou uma pedra no caminho durante a entrevista de ontem no JN.

Ambos se saíram bem, dadas as circunstâncias de temperatura e pressão, mas Lula foi muito além, mostrando ser um político de qualidade superior.

Matou no peito o tema da corrupção, fez um gol e saiu para o abraço. A metáfora futebolística, que agradaria ao ex-presidente, serve para indicar que Lula enfrentou com habilidade o mais espinhoso tema que tem pela frente. Elaborou uma narrativa eficiente, e nela se apoiou sem pestanejar: só há corrupção quando se permite que ela apareça e seja apurada; as denúncias foram corroboradas por delatores premiados, que enriqueceram com o crime praticado; quem erra deve pagar; enquanto foi presidente, jamais empurrou a sujeira para baixo do tapete; a Lava-Jato cometeu erros em série porque desejava, antes de tudo, apontá-lo como culpado e prendê-lo.

Lula não sabe como evitar que novos escândalos apareçam caso venha a ser eleito, mas garantiu que, se surgirem, serão punidos com firmeza. Ainda convidou a todos para avaliarem se a corrupção foi maior no Mensalão (2005) do que no Orçamento Secreto, prática atual do governo Bolsonaro.

Certamente não convenceu os antipetistas mais empedernidos, mas não foi a eles que Lula se dirigiu. Ele buscou o eleitorado “indeciso”, temeroso de uma segunda vitória de Bolsonaro e propenso a votar nos candidatos da “terceira via” (Ciro e Simone). E falou olhando nos olhos dos eleitores que já estão com ele, tanto os de baixa renda quanto os antibolsonaristas convictos.

Lula  também foi muito eficiente com a segunda pedra que encontrou no caminho: o desastrado governo Dilma. Foi enfático: Dilma mora no meu coração e minha admiração por ela é imensa, especialmente quando ocupou a Casa Civil em 2005, durante meu primeiro governo. Na presidência, Dilma fez um ótimo primeiro governo, mas no segundo foi boicotada por Eduardo Cunha (então presidente da Câmara dos Deputados) e pelo senador Aécio Neves, que a impediram de governar, induzindo-a a cometer erros (desoneração fiscal e política de combustíveis). Lula ainda provocou: “Chamem a Dilma aqui que ela se defende”.

Não houve propostas, mas a verve afiada do ex-presidente o ajudou a desfilar promessas e garantias. Ele não pretende somente governar, mas cuidar do povo. Fará isso tendo ao lado Geraldo Alckmin, fiador da moderação e do diálogo que se pretende imprimir. O tripé do governo Lula-Alckmin será “credibilidade, previsibilidade e estabilidade”, fatores essenciais para que os capitais voltem a investir. Para realizar as mudanças indispensáveis. negociará com todos os interesses. Governará com o Congresso, mas sem ceder a ele como faz Bolsonaro. Em vez disso, seu compromisso será recuperar a dignidade da Presidência. Conversará com os deputados de todos os partidos, ignorando o Centrão, que não é um partido. Aliás, observou, no Brasil só há 3 ou 4 partidos de verdade (o PT, o PCdoB, talvez o Psol…), o resto não vale nada. Na sequência, quase num escorregão, vangloriou-se de ter o apoio de dez partidos.

Lula segue em frente com os olhos no retrovisor. Se já foi “o melhor presidente da história brasileira”, por que negará fogo agora? Parece indiferente ao fato de que entre 2003 e 2010 as circunstâncias eram bem diferentes das que encontrará em 2023. Para um bom observador, o passado não serve de base para que se avaliem comportamentos futuros. Mas, para os admiradores de Lula, saudosos dos bons tempos de Bolsa-Família, inflação baixa e consumo facilitado, o passado soa como música.

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Regina Marta Barbosa Faria
1 ano atrás

Gosto muito dos artigos do Marco e gosto dele como pessoa e como profissional. Entretanto,acho que foi benevolente ao dizer que o Bolsonaro também foi bem na entrevista com a Renata e Bonner. O atual ((P)Residente mentiu muito e quem mente não vai bem, segundo meus valores.

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