As coisas estão assim: se a confusão impera, que se produza mais confusão. Se a política vai mal, que não se faça nada para melhorá-la. Se há crise ardendo no ar, que se assoprem as brasas da fogueira.
Há pouco espaço para atitudes sensatas, tudo se entrega à volúpia pré-eleitoral: verbas para emendas com que cortejar eleitores, promessas de obras de utilidade discutível e baixa factibilidade, calotes que não envergonham, coreografias estudadas para os currais eleitorais de sempre. Ninguém escapa dessa pantomima, que se repõe dia após dia.
É um túnel por onde passam quase todos. “No escuro do plenário todos os gatos são pardos”, escreveu o analista político Carlos Melo. No caso da votação em primeiro turno da PEC dos precatórios, na Câmara, só não passaram o PT, o PCdoB, o PSol, o Novo e a Rede. Os demais pingaram seus votos na urna em prol do governo. Como falar então em terceira via? É uma turma sem convicção e firmeza, sem clareza programática, aprisionada a interesses menores que borbulham sem cessar. E quanto àquilo que se autodenomina Centro? Um amontoado sem pujança, sem identidade, sem disposição para correr riscos, sempre pronta para se jogar nos braços do governo ou ficar perto do poder.
Bem fez Ciro Gomes ao suspender sua “pré-candidatura”. Manobra inteligente, que corteja a opinião pública e põe pressão sobre o seu PDT. Os pedetistas, afinal, votaram maciçamente em favor da PEC. Terá poucas consequências. Ciro, afinal, é um “candidato irreversível”, prontificou-se a esclarecer Carlos Lupi, presidente do partido. Mas talvez consiga reverter alguns votos na votação em segundo turno, que acontecerá na próxima terça-feira.
A vergonha maior, o prêmio principal, ficou com os grandes partidos, disfarçados com mil máscaras e bagunçados. O PSL, o DEM, o PSDB, o PSD, o MDB, afundaram-se no fisiologismo. Posam de “alternativa para uma terceira via”, mas só fazem isso da boca para fora. No peito deles pulsa um coração fraco e sem aquela cor rubra que simboliza coragem e determinação. Agiram com foco em verbas para mais emendas, em negociações de bastidores e sem transparência, entregando-se à baixa política e de costas para o Estado, quem sabe flertando com Bolsonaro em busca de um lugar ao sol de 2022. O cálculo é que quanto mais dinheiro houver para ser “politizado”, melhor.
A imagem do auxílio emergencial (ou bolsa família) de 400 reais, acenado pelo governo, foi utilizada para justificar alguns votos, por distração, ingenuidade ou má-fé. Outro foram dados convictamente para Bolsonaro, sob a mediação e o patrocínio de Arthur Lira.
É provável que o governo não vença a segunda votação e, se vencer, pode não obter o resultado esperado, ou seja, votos em profusão. Seja como for, o melhor é esperar as festas de dezembro para ver o que nos trará o ano novo.