Primeiro foi a incredulidade: como Bolsonaro conseguiu chegar à Presidência, vencendo, com boa margem de votos, candidatos flagrantemente mais bem preparados do que ele? Como o mais alto cargo da República brasileiro pôde ser ocupado por uma pessoa sem postura presidencial, encharcado de ressentimento e raiva, um político profissional que sempre demonstrou desprezo por tudo o que define a República e a democracia?
Respostas foram tentadas: venceu porque soube usar as redes e o sentimento antipetista que pulsava forte em 2018. Foi beneficiado pelo irracionalismo que acometeu os brasileiros num momento particularmente confuso da história. Uma espécie de acidente de percurso, que agravou o que já não vinha bem.
Começou então o governo e as críticas se concentraram no autoritarismo do presidente, na sua grosseria contumaz e na falta de modos, componentes de uma personalidade irascível, sempre de mal com a vida, vazia de educação e perspectiva estatal, de visão da comunidade política que deveria incluir a todos.
Com as ações do governo, ao autoritarismo se somou a má gestão, a incompetência para gerir os recursos político-administrativos e coordenar os ministérios. Em suma, evidenciou-se a incapacidade de produzir algum resultado que respondesse aos reclamos e necessidades prementes da população, bem como aos interesses nacionais e à relevância internacional do País.
Veio então a pandemia e o governo mostrou sua face mais cruel e perversa, a do desprezo pela sorte e pela saúde das pessoas. O negacionismo foi impulsionado por uma fileira de crimes em série: banalização do vírus, contestação das medidas sanitárias básicas (máscaras, higiene, distanciamento social), propaganda de remédios milagrosos, mentiras em profusão e desinformação. A desgraça se expandiu. As asas negras da morte foram cultuadas e passaram a ser companhia diária do presidente
As mortes avançaram e o governo continuou a exibir seu autoritarismo, sua incompetência administrativa e seu negacionismo. Foi sendo questionado de forma mais contundente, perdeu apoios sociais importantes. Isolou-se progressivamente. Tentou respirar e abriu-se para o “Centrão”, que passou a apoiá-lo na Câmara com o olhar concentrado nas vantagens ofertadas pela ocupação de cargos e espaços de governo. O governo incrementou também a manipulação das Forças Armadas, buscando apresentá-las como se estivessem à sua inteira disposição e prontas para apoiá-lo numa espécie de “contragolpe”.
Com a CPI instalada no Senado, mais um pedaço da camuflagem bolsonarista se desfez: o governo mostrou ser amigo da corrupção, da maquinação de esquemas sórdidos de compra e venda de vacinas. O lodo chegou ao interior do Palácio do Planalto, fazendo com a trambicagem explícita das “rachadinhas” pareça brincadeira de criança. A CPI reverbera os malfeitos governistas, escancarando os efeitos mortíferos do negacionismo e da não-gestão da pandemia.
Deu-se assim uma volta a mais no parafuso, fechando-se o círculo em que atua o bolsonarismo e o governo Bolsonaro. O País está em plenas condições de vislumbrar os estragos produzidos por um governo que virou as costas para a sociedade. Às insanidades cometidas na área da Saúde somam-se muitas outras coisas: a destruição do meio ambiente e a corrupção na área ambiental, o menosprezo pelas populações indígenas, o desgaste da imagem internacional do Brasil, a destruição dos sistemas de proteção e do sistema educacional em particular, a dilapidação da economia, o desemprego, a inflação. Toda uma rede de atitudes predatórias e esquemas perversos está hoje exposta a céu aberto.
A reação a isso está em curso, amadurecendo aos poucos, na imprensa, na sociedade civil, nos governos estaduais, nas ruas. Falta-lhe ainda o fundamental, o eixo político, que lhe dará corpo e força de articulação. Algo que se espera venha dos democratas, com seus partidos e suas iniciativas.