Opacidade fulgurante e manobras autoritárias

horizonte 17 Poças
Reforma ministerial não altera o perfil do governo, que permanece com raiva do mundo, da vida, da democracia. E, agora, com maior controle sobre as áreas estratégicas.

Se algo há para se destacar na reforma ministerial promovida pelo Presidente da República é a falta de brilho, sua opacidade fulgurante, que chega a cegar de tão deslumbrante. O bolsonarismo deixou patente que não é um celeiro de quadros: sua tropa está composta por figuras de segunda linha, bisonhas na maioria. São convocadas para que rezem pela cartilha presidencial, sem vacilações.

O bolsonarismo teme buscar assessores fora de seu cercadinho. Não tem muito para onde correr, isolado que está por muitos campos minados. Desconfia de qualquer um que mostre autonomia, exiba coerência ou preste lealdade a outros credos e núcleos. Foi assim com a defenestração do general Fernando Azevedo do Ministério da Defesa, que preferiu ficar com as Forças Armadas em vez de embarcar na nau dos insensatos que singra os mares de Brasília.

Perdeu-se mais uma oportunidade para corrigir o rumo e a postura do governo. Não se terá mais do mesmo, porque ao se mudarem pessoas sempre há alguma troca de ar. Mas o perfil permanecerá o mesmo, com raiva do mundo, da vida, do povo, da democracia.

O presidente radicalizou um pouco mais, quebrando as expectativas de que faria uma manobra moderadora. Trocou seis por meia dúzia, com uma inflexão autoritária adicional: fechou seu círculo mais próximo, abraçado aos filhos.

No lugar do inacreditável Ernesto Araújo, vai um diplomata júnior, com carreira concentrada no cerimonial, visto como discreto e conciliador, mas seguramente não um formulador de política externa. Estará a postos para obedecer, quiçá com uma ponta de jogo de cintura. A política externa continuará com sua agenda “antiglobalista” e desorientada, alheia às dinâmicas da política mundial e aos interesses brasileiros. O Senado aceitou, em nome da acomodação. O Centrão endossou, com um prêmio de consolação: a nomeação para a Secretaria de Governo da deputada federal Flávia Arruda (PL-DF), ela também jejuna de primeiro mandato.

Braga Netto na Defesa é um escudo para o presidente, secundado por Luiz Eduardo Ramos na Casa Civil. Com André Mendonça de volta à Advocacia Geral e com o delegado PF Anderson Torres no Ministério da Justiça, completa-se a blindagem, que protege toda a família.

A percepção é que o presidente se fechou em torno de um núcleo duro disposto a pagar para ver. Um “estado de sítio” poderia ser a válvula de escape para tirar o presidente do isolamento e encurralar seus adversários. A demissão dos comandantes das Forças Armadas, consumada na tarde de hoje, tanto pode ser um desdobramento da demissão do general Fernando Azevedo, uma demonstração de que o Alto Comando não quer se envolver em manobras bolsonarianas, como pode também ser a consequência de um desejo presidencial de renovar o apoio das tropas. Nessa última hipótese, seria a constatação de que as FFAA estão divididas e o presidente tem como escolher, nelas, novos comandantes, mais dispostos a fazer o seu jogo e a referendar o desgoverno, que avançaria célere, sem nada produzir de positivo.

Não é mera coincidência que o líder do PSL na Câmara, Vitor Hugo (GO), incrementou sua tentativa de pautar projeto que daria ao presidente  o poder de acionar o dispositivo de Mobilização Nacional durante a pandemia. Com isso, Bolsonaro poderia interferir e expropriar a produção privada, além de mobilizar militares para ações determinadas pelo governo federal. A proposta abriria o caminho para Bolsonaro atuar em “espaço geográfico” definido no combate à pandemia. Assim como a decretação de Estado de Defesa ou Estado de Sítio, a Mobilização Nacional só ocorreria após pedido do presidente da República e aprovação do Congresso Nacional.

O fato é que Bolsonaro passou a ter mais controle sobre áreas estratégicas do governo, podendo ainda obter respaldo militar caso consiga nomear comandantes dispostos a apoiá-lo sem condicionamentos. Se incitar seus milicianos e agitadores para que fomentem uma “crise social” que se junte à crise sanitária, poderá até mesmo obter apoio parlamentar.

São dias tensos e agitados em Brasília. No restante do País, que continua purgando as dores da pandemia sem grandes perspectivas de vacinação acelerada, são muitas as perguntas e muitos os temores. Há um clima de que algo está para acontecer, mas pode ser procrastinado.

Tudo a ser acompanhado dia a dia.

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