Oportunidade de ouro

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O apoio de Simone Tebet foi político. Deu a Lula a possibilidade de corrigir a péssima campanha do 1º turno com uma nova campanha, impregnada de compromissos e de clareza programática.

É impossível saber qual será o real efeito eleitoral do apoio dado por Simone Tebet a Lula. Mas ele nos põe diante de um fato novo, único em sua relevância.

Antes de tudo porque o gesto de Tebet não foi de um mero apoio eleitoral. Foi um apoio político, programático, desses que não são usuais na política brasileira atual. O discurso em que o anunciou é precioso, como construção, como narrativa, como exemplo de moderação e engajamento democrático. Tebet foi clara ao dizer que o interesse nacional – a sociedade como um todo, a começar dos mais pobres, dos discriminados, dos abandonados – precisa ser maior do que preocupações estéreis com acúmulo de capital político.

Naquele ato emblemático, a ex-candidata do MDB mostrou que não é um caso passageiro. É diferenciada. Sua densidade combina-se com a palavra substantiva, reflexiva, que conhece os perigos que rondam nossa democracia e o quê se pode fazer para contorná-los. Simone é, simultaneamente, elegante e contundente, ponderada e exigente.

Logo no primeiro parágrafo de seu manifesto ela deixa isso claro: “Apresentei minha candidatura à Presidência da República diante de um país dividido pelo discurso do ódio, da polarização ideológica e de uma disputa pelo poder que não apresentava soluções concretas para os problemas reais do povo brasileiro. Minha intenção foi construir uma alternativa a essa situação de confronto, que não reflete a alma e o caráter da nossa gente”.

Ela acrescenta: “Aprendi, ao longo de minha vida política, que não se luta apenas para vencer, mas para defender projetos, disseminar ideias, iluminar caminhos, plantar boas sementes para uma colheita coletiva. Em face de tudo o que testemunhamos no Brasil dos últimos tempos e do clima de polarização e de conflito que marcou o primeiro turno, não estou autorizada a abandonar as ruas e praças, enquanto a decisão soberana do eleitor não se concretizar. Não anularei meu voto, não votarei em branco. Não cabe a omissão da neutralidade”.

Seu diagnóstico foi preciso: “Nos últimos quatro anos, o Brasil foi abandonado na fogueira do ódio e das desavenças. A negação atrasou a vacina. A arma ocupou o lugar do livro. A iniquidade fez curvar a esperança. A mentira feriu a verdade. O ouvido conciliador deu lugar à voz esbravejada. O conceito de humanidade foi substituído pelo de desamor. O Brasil voltou ao mapa da fome. O orçamento, antes público, necessário para servir ao povo, tornou-se secreto e privado”.

O manifestou conclui apresentando cinco projetos e ideias que espera ver acolhidas. Enfatizando a responsabilidade fiscal como meio para alcançar o social, Simone apresentou cinco propostas: (1) Educação: ajudar municípios a zerar filas na educação infantil e implantar, em parceria com os estados, o ensino médio técnico, com período integral e conectividade, garantindo uma poupança de R$ 5 mil ao jovem que concluir o ensino médio; (2) Saúde: zerar as filas de cirurgias, consultas e exames, com repasse de recursos ao SUS; (3) Resolver o problema do endividamento das famílias, em especial das que ganham até três salários mínimos; (4) Sancionar lei que iguale salários entre homens e mulheres que desempenham, com currículo equivalente, as mesmas funções.; (5) Um ministério plural, com homens, mulheres e negros, todos tendo como requisitos a competência, a ética e a vontade de servir ao povo brasileiro.

Tebet entregou na bandeja uma oportunidade de ouro para Lula. Agora, o candidato petista pode corrigir a péssima e genérica campanha do primeiro turno com uma nova campanha, impregnada de compromissos e de clareza programática.

Simone Tebet não disse com todas as letras, mas seu discurso deixou claro que a campanha lulista errou ao fugir dos temas estratégicos e a se apoiar numa ficção de “frente ampla” que jamais foi construída de fato. Lula obteve adesões e votos antibolsonaristas, mas não cimentou uma articulação democrática autêntica, que fosse do centro à esquerda e atraísse o eleitorado com uma perspectiva reformadora ajustada aos novos tempos em que vivemos. Pode fazer isso agora.

Agora, todas as cartas estão postas na mesa. Espera-se que os candidatos façam bom uso dos debates que estão programados para outubro. O eleitor, em sua soberania inquestionável, anseia por isso, precisamente para poder fazer de seu voto uma manifestação de apoio eloquente.

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