Os parasitas de Guedes e a reforma administrativa

Raffaele Rossi.  Metamorfosi. OST. 2017
Raffaele Rossi. Metamorfosi. OST. 2017
Ministro da Economia tentou dramatizar a discussão sobre o serviço público. Mostrou que o governo está despreparado para falar em reforma administrativa.

Quiseram os deuses e os demônios que o Oscar de melhor filme fosse para “Parasita”, de Bong Joon-Ho, na mesma semana em que o ministro Paulo Guedes chamou os servidores públicos brasileiros de “parasitas”.

A beleza do filme sul-coreano – uma brilhante, corrosiva e inusitada denúncia da desigualdade social – contrasta fortemente com a grosseria do ministro da Economia.

Bong sabe do que fala, é seguro e generoso. Sua ficção é realista, tem poesia e oferece uma leitura contundente das sociedades atuais, com suas misérias escondidas em porões ou varridas para baixo dos tapetes, nas quais os expedientes pós-modernos são turbinados o tempo todo pela contestação e pela busca de igualdade.

Paulo Guedes, por sua vez, não tem poesia ou imaginação. É seco, brutal, ofensivo, previsível. Não tem um pingo da empatia exibida pelo diretor sul-coreano. Não demonstra ter noção do que fala, justo ele, que se pretende o novo czar da economia. Sobrevoa às cegas o mundo real, guiado por uma cartilha fiscalista e ultraneoliberal, que se apoia em um programa de crescimento que não sai do papel. Carrega uma única obsessão, que o possui e o aliena, em nome da qual se dá o direito de abusar de disparates o tempo todo.

Como assim chamar os servidores públicos brasileiros, em bloco, de “parasitas”, corpos que vivem à custa de organismos que os hospedam, minando-os e levando-os ao enfraquecimento? Seriam por acaso como as tênias, as lombrigas, os carrapatos?

Referir-se desse modo aos milhares de trabalhadores que mantêm em funcionamento sistemas vitais complexos como o da Saúde e da Educação, aos agentes que atendem à população Brasil afora, não é só grosseria, mas uma prova de ignorância e de falta de tato. Uma provocação no melhor estilo bolsonariano. Desvalorizar pessoas é o pior caminho a ser seguido por um gestor público. Ofender servidores públicos e falar, ao mesmo tempo, em reforma administrativa, é criar obstáculos quase intransponíveis para viabilizar uma ação reformadora na área.

Não foi por acaso que o governo arquivou a ideia, ciente de que ela esbarraria na resistência do Congresso. Os parlamentares exigiram que o Executivo apresentasse uma proposta concreta, recusando-se a assumir o ônus de uma discussão sabidamente delicada.

O show de Paulo Guedes foi feito em nome de uma caricatura de liberalismo. Ele falou grosso para ver se dramatizava o que considera ser uma questão importante de sua política econômica. Montou o circo para em seguida sair dizendo que tiraram suas frases do contexto. A culpa seria da imprensa! Ficou feio.

No dia 10/02, pouco depois da desastrada declaração, o ministro se manifestou: “Eu me expressei muito mal, e peço desculpas não só a meus queridos familiares e amigos, mas a todos os exemplares funcionários públicos a quem descuidadamente eu possa ter ofendido”. Acrescentou que “não queria jamais ofender pessoas simples que cumprem seus deveres”. O estrago, porém, estava feito.

O ministro é reincidente em declarações destemperadas e elitistas. Seu prontuário está repleto. Passados dois dias de sua frase sobre os servidores, estava ele na TV dizendo, em tom de preocupação e para explicar as vantagens do dolar alto, que “empregadas domésticas estão indo para Disney, uma festa danada”. Parece incrível, mas ficou registrado.

Para denunciar que muitos funcionários gozam de privilégios negados à maioria da população, Paulo Guedes cometeu o pecado da generalização. Esqueceu-se, simplesmente, de apontar aqueles que estão a matar o “hospedeiro” e a impedir que o dinheiro chegue ao povo. Mostrou que não conhece a administração pública e não respeita seus servidores. Para repetir o que todos sabem – que há privilégios e gastos injustificáveis – optou por bater no elo mais fraco.

Enquanto não se puser na mesa uma perspectiva de polis – de bem-estar de todos, de justiça social, de equilíbrio Estado-sociedade –, nada haverá de novo na conversa sobre reforma administrativa. O ponto de vista fiscal (quanto se gasta, quantas pessoas estão alocadas no setor público, quais são suas carreiras e seus vencimentos) é importante, mas não pode conduzir a análise e a discussão.

O governo atual dificilmente sairá do fiscalismo. Não parece capaz de aprender o caminho das pedras mais básico. Despreza a política e vive às turras com o Congresso Nacional, que tem sido, na verdade, o senhor da agenda.

Deve caber às oposições democráticas não somente colocar o guiso no gato, preencher o vácuo e assumir plenamente o protagonismo. Elas deverão, também, estudar a fundo o tema e preparar um projeto sério de reforma da Administração Pública, que atenda não aos critérios governamentais, mas aos interesses da população.

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