Publiquei o artigo “Partidos, movimentos, democracia: riscos e desafios do século XXI” no Vol. 8, número 2 do Journal of Democracy Em Português (novembro de 2019). A revista é editada pela Plataforma Democrática em conjunto com a Fundação FHC e o Centro Edelstein.
O artigo é uma tentativa de analisar a crise dos partidos políticos, vendo-a como expressão das transformações estruturais que atingem as sociedades contemporâneas e, ao mesmo tempo, como um indicador das dificuldades de reprodução, ampliação e fortalecimento da democracia. Os partidos permanecem como personagens centrais do jogo político e parlamentar em diversos países, inclusive o Brasil, mas já não mais conseguem atuar como fatores de hegemonia, formação de consensos e fixação de diretrizes ético-políticas, processo que se transferiu para os ambientes virtuais, o marketing, a publicidade e a indústria cultural.
O argumento principal do texto procura explorar a hipótese de que a complexidade adquirida pela vida social problematizou os mecanismos de legitimação política e retirou os apoios que classes e grupos sociais – por sua vez afetados por forte viés de “desconstrução” – transferiam para os partidos políticos, deixando-os soltos no ar. A proliferação do que tem sido chamado de “democracias iliberais”, com seus líderes populistas e regressistas ancorados em postulações nacionalistas, é outra expressão do quadro geral.
Ao se combinar com a reorganização global da produção econômica capitalista, a modernização reflexiva dos dias atuais sacrificou o mundo do trabalho, fragmentou as sociedades e pôs em curso uma revolução tecnológica-digital que imprimiu inédita velocidade à comunicação, reconfigurando os relacionamentos sociais, a cultura, as formas de organização. Movimentos de todo tipo surgiram na sociedade civil, impulsionados por lutas identitárias ou pela contestação ao sistema, desafiando as organizações partidárias. Tais circunstâncias modificaram o peso relativo dos partidos vis-à-vis as sociedades civis, os Estados e os mercados.
O artigo dá destaque à situação brasileira, remontando às manifestações de 2013 e buscando compreender o processo político que levou à eleição de Jair Bolsonaro em 2018.
A extrema-direita vitoriosa chegou ao poder disposta a promover a eliminação da esquerda e de suas filosofias, transformando a democracia progressista em inimigo, criminalizando gays e feministas em nome de uma moralidade regressista. Estigmatizou a política, os políticos e seus partidos, menosprezou o ritmo democrático e o sistema de freios e contrapesos da República, sempre apelando à sociedade para atacar o “sistema”. Passou a atuar em nome do combate a aspectos deplorados pela opinião pública — a “velha política”, os políticos, a corrupção –, articulando tais pontos com uma bizarra postura contrária ao “globalismo”, à democracia representativa, ao ambientalismo, ao socialismo.
A conclusão é que a afirmação de um governo de extrema direita no País coincide como a fixação de um quadro de desarticulação e de desconexão dos partidos democráticos entre si e com a sociedade civil. O progressismo brasileiro precisa abrir novas portas. Buscar maior interlocução, abandonar projetos parciais de poder e cálculos eleitorais de curto prazo. Ir além da “resistência” e da contestação retórica. Deve converter-se em oposição e disputar a sociedade, sem medo de ousar, correndo riscos que valham a pena.
A íntegra do artigo pode ser acessada clicando aqui.
Aproveitei o Carnaval para ler esse texto sensacional! Após uma panorâmica histórica do status da política no mundo, traz a visão para o Brasil atual, os seus impasses e desafios. E finalmente convoca para a luta todos os democratas – liberais, de centro e socialistas, para juntos reverterem o obscurantismo. Sim, porque o que interessa é isso: arregaçar as mangas e construir esse novo momento para o sofrido Brasil.
Obrigado, Francisco, pela leitura e pelo elogio. O momento é de construção, reconstrução, organização. Desafios enormes, que exigem ação e reflexão.
Imprimi para ler melhor, é uma análise extensa.