Os seguidos ataques de Jair Bolsonaro às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral brasileiro não são manifestações de desequilíbrio psíquico. Parecem ser, mas não são. Fazem parte de um cálculo, ele também tortuoso e repleto de sinalizações sombrias. Provam que o irracionalismo “fascista” encontra guarida entre nós.
Os ataques chegaram ao ápice no encontro do presidente com os embaixadores, dia 18/7. São um tiro no pé. Produzem desgaste extremo em um candidato que pretende se reeleger. Se fossem sérios, exigiriam a desistência de Bolsonaro. Como ele não dá sinais de desistência, conclui-se que os ataques não são sérios.
Não são sérios, mas são terrivelmente perigosos. Mostram que não há governo e que o presidente da República, desgovernado, dedica-se dia após dia a enxovalhar o Estado brasileiro, a classe política, o sistema judiciário. O que temos hoje é um País padecendo das patologias bolsonaristas.
A fúria ensandecida com que Bolsonaro ataca as urnas é, na realidade, uma ação deliberada para tumultuar o processo eleitoral e preparar uma justificativa para uma derrota que se delineia, hoje, como bastante provável. Ele dirá que foi derrotado pelas urnas eletrônicas, não pelo voto dos eleitores. Posará de vítima do “sistema”, prometendo continuar sua batalha insana para purificar o País. Tentará lançar a sombra da suspeita sobre os resultados. Poderá copiar Trump, e armar um circo após as eleições.
Sente-se no ar o cheiro fétido de um golpe. Um golpe sem projeto, sem atores vigorosos, sem vergonha na cara, sem futuro.
Em termos analíticos, podemos nos preocupar em saber o que fará Bolsonaro a partir do ano que vem. Voltará a ser o capitão incendiário que foi expulso do Exército? Não terá mandato, nem tribuna. Viverá com o celular nas mãos disparando tuítes diários? Continuará a gravar os mesmos vídeos com que intoxicou a sociedade nos últimos quatro anos? Sem a imunidade que o tem protegido, precisará correr das garras da Justiça, que poderão incriminá-lo? Seja como for, ele ficará na dependência do que puderem fazer seus seguidores que forem eventualmente eleitos e se disponham a manter vivo o “mito”. Será suficiente?
No momento, o mais importante não é responder a essas perguntas, mas pensar em dois potenciais efeitos colaterais.
Antes de tudo, será preciso verificar se as declarações de Bolsonaro – sua mise-en-scène, seu gestual, os termos empregados, os esgares – repercutem no eleitorado. Podem influenciá-lo, fazer com que intenções de voto sejam modificadas? Ou cairão no vazio da mesmice? É a história de Pedro e o Lobo. De tanto falar mal das urnas, a essa altura o mais provável é que ninguém preste mais atenção à denúncia. Ela virou parte da paisagem. As próximas pesquisas eleitorais talvez tragam algum esclarecimento preliminar.
Outra questão é mais dramática: em que medida esses ataques estapafúrdios ressoam no universo institucional? Que estrago causam na democracia brasileira concreta, que bem ou mal funciona? Quanto contribuem para distanciar o povo da política, fazendo com que cresça a desconfiança popular nos representantes e nos partidos políticos? É evidente que não ajudam em nada. Mas produzem indignação, e a indignação pode gerar a energia oposicionista que falta.
Há o desgaste da imagem internacional do Brasil, que, a essa altura, é gritante. E que se faz acompanhar de uma preocupação: como estará o País daqui para frente, de quanto tempo necessitará um novo governo para aprumar o Estado e suas instituições? E com a economia, o que se pode esperar? E a miséria, a desigualdade, o desemprego, a inflação?
São incógnitas que não podem ser respondidas de modo categórico. Mas não é difícil concluir que, com um presidente que cospe no prato em que vem comendo há décadas, não pode haver tranquilidade política. No momento, nossa força é nossa palavra e nossa voz que, como um rastilho, juntamente com outras vozes, institucionais e sociais, poderão chegar às praças públicas e ajudar a que saíamos dessa situação com a cabeça erguida.