O pessimismo anda de braços dados com o cansaço, um ano depois do início da pandemia. Há motivos de sobra para isso. Quarentenas, confinamentos e lockdowns estressam, especialmente quando são o principal recurso para que as pessoas não sejam infectadas. E o pessimismo cresce ao se constatar que parte dos problemas não podem ser solucionados somente com intervenção política e outra parte foi causada por erros cometidos lá atrás, que não podem mais ser corrigidos.
Falo da pandemia, mas poderia ir além, incluindo, por exemplo, o estrago ambiental e a economia. A Educação, sempre estratégica, está devastada e nunca antes foi tão desvalorizada por um governo.
Quando lemos que não há como acelerar a vacinação por falta de doses de imunizantes, que abril será um mês ainda mais trágico do que março, que só em setembro os grupos prioritários da população conseguirão ser vacinados, vemos com clareza o tamanho da nossa desgraça. O vírus se espraia e assume novos formatos — porque não foram tomadas as medidas corretas antes –, não há vacinas disponíveis no mundo, o momento da aquisição ficou perdido no tempo, por negligência e ignorância. Está sendo amargo o preço que os brasileiros estão pagando pela incúria desastrosa de seu governo.
A própria gestão Bolsonaro vem do passado, dos erros cometidos em 2018, da incapacidade demonstrada pelos democratas de chegarem a um ponto mínimo de entendimento, fruto de uma leitura errada da situação. Desde então o País está sem rumo, carente de alguém que proponha algo plausível para modificar as circunstâncias e injetar ânimo na população. Sua substituição não é garantia de que a situação se modificará de imediato. O Congresso está mais ativo, mas teme colocar o guizo no gato, que, de resto, tem seus apoiadores, mais fanáticos ou menos.
Achar que encontraremos o rumo por meros atos de vontade ou pela mudança do modo bolsonarista de ser é sonhar acordado.
É hora de pegar o touro à unha. Como estão a fazer diversos governadores e prefeitos, que se articulam suprapartidariamente para elaborar uma estratégia própria contra a pandemia. Como tem feito a Frente Nacional dos Prefeitos. Como fazem Butantan e Fiocruz com a dedicação integral à produção de vacinas. Como fazem milhares de voluntários que colaboram nos postos de vacinação, com doações de alimentos, com ajuda financeira aos desassistidos. Como faz desde o início o pessoal da Saúde, verdadeiros heróis da pandemia. Como fizeram alguns “presidenciáveis” com o manifesto em defesa da democracia.
Precisamos avaliar bem o quadro político. A imaginação democrática pode frutificar com mais vigor, contagiar os cidadãos a partir de proposições políticas claras e realistas. Não podemos esmorecer. O País não é uma divisão simples entre bolsonaristas e lulistas, essa polarização que virou o bicho-papão da política nacional. Há muito mais coisas no meio. Uma “terceira via” é uma possibilidade legítima e factível, pela qual vale se empenhar, mas ela não cairá do céu e não se viabilizará se o diagnóstico ficar enviesado. O ideal é que se consiga chegar a uma ampla aliança entre o centro e o campo progressista, como tem falado o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), dentre outros. Dar um passo além do meio termo entre Lula e Bolsonaro. Sem extremismos, com inteligência, generosidade, em nome da moderação reformadora. Não há outra saída segura.
Não é inevitável que Lula encabece essa aliança. O campo progressista tem outros nomes em condições de compensar o desgaste do ex-presidente, desgaste que comprometerá seu desempenho eleitoral. Lula sabe disso. Com o prestígio e o talento que tem, pode vir a atuar como um decisivo fator de união. Depende dele, mas também depende do PT e dos demais partidos de esquerda, do mesmo modo que das forças de centro. Os democratas precisam suspender os vetos cruzados. Errar menos, romper com seus fantasmas e temores.
Estacionamos no terreno das conjecturas. Tal sinalização precisa encontrar força material, pessoas dispostas a fazer sacrifícios e a levar em conta o conjunto dos interesses nacionais, não seus caprichos pessoais ou seus cálculos eleitorais. A imaginação democrática precisa atuar aqui com toda sua efetividade. É o único modo de derrotar o pessimismo que nos paralisa e deprime.
Já observou em filmes que na selva, nas savanas, sob tempestade todos os animais param e esperam? Vai saber o que eles pensam ou por que fazem isso, mas é assim. Bem, a nossa tempestade está bem forte, estamos todos parados. Só que se isso durar demais (e está perto disso), algum movimento vai acontecer. Possivelmente um movimento desordenado, confuso.
Fruto da desorientação. E o que estiver podre, vai cair.
Caríssimo,
Sejamos francos, embora os erros tenham se acumulado a partir de 2018, sem dúvidas, estudo recente mostra que a última década (2011-2020; https://blogdoibre.fgv.br/posts/mais-uma-decada-perdida-de-investimentos) apresenta resultados que evidenciam erros cometidos ainda mais danosos do que a chamada década perdida de 1980. Entre esses, a partir de 2011, boca de jacaré entre ganhos de receitas e gastos públicos: legado pesado de erros de politica econômica (G Mantega) com agenda intervencionista mal feita; tentativa de reconstrução da indústria naval; período de altos subsídios como % do PIB; investimentos da Petrobrás; invest. na ind automobilística, ind. de plataformas; intervencionismo do Estado nos preços da gasolina. Todos esses foram gastos que não trouxeram resultados positivos; investimentos de má qualidade não geraram benefícios para a sociedade. Sem que tenhamos isso muito claro, não conseguiremos discutir seriamente a estratégia para 2022. Grande abraço, admiradora de suas ideias que suscitam debates frutíferos.
É verdade. O problema é que não podemos voltar no tempo e temos de agir com os dados da realidade presente. Os processos geram acúmulos que precisam ser resolvidos pelos agentes do presente. O programa para 2022 terá de incluir isso tudo que vc fala, sem triunfalismo e com olhos bem postados na realidade e nas possibilidades do país. Abraço, e obrigado pelo comentário