A conclamação feita por Jair Bolsonaro, em pleno Carnaval de 2020, em apoio às manifestações contra o Congresso Nacional não é somente inusitada e grotesca. É um crime, que responsabiliza diretamente o presidente da República pelo caos, pelo desrespeito e pela quebra da institucionalidade.
Também é grotesca a fotografia da família Bolsonaro reunida no Guarujá, cada qual debruçado sobre seu celular a disparar mensagens de mobilização, provocação e ofensa. É a confissão de uma trupe de desmiolados, fechados em um círculo.
O clã parece acuado, descontrolado. Radicaliza como se não houvesse amanhã. Seu único foco é o confronto, o atrito, a pressão. Sabe que não tem toda a força do mundo, mas dá de ombros e segue impávido, senhor do universo. O presidente se vangloria de ter “implodido” o Inmetro, elogia o miliciano Adriano, defende o motim de policiais militares como se fosse coisa corriqueira e justa, enche a boca para dizer que “quase morreu pela Pátria”. Agora, apoia os que pregam que “os generais aguardam as ordens do povo”.
É uma sandice atrás da outra. A disposição é de dar um xeque-mate na sociedade, na política, no Congresso. Imaginar que haja quem aplauda isso em nome da “necessidade” de combater “a esquerda corrupta e sanguinária” é algo que depõe contra tudo o que imaginamos integrar a inteligência cívica e a índole dos brasileiros. Mas os Bolsonaros têm seguidores, uma claque organizada e outra que se comporta como tal, anestesiada e confusa. Não estão nem aí para a democracia, a convivência política, as “boas maneiras”.
Nunca se fez tão necessária uma oposição democrática à altura, ativa, unitária, programática, serena e combativa. O mal causado por Bolsonaro levará tempo para ser cauterizado. Quanto mais demora houver para que organize uma reação a ele, pior será.
Já passou da hora de os democratas arquivarem suas diferenças e seus projetos particulares. O personalismo, o desejo de poder, a imagem pessoal, tudo isso presta um desserviço. A língua afiada também. O momento é de articulação e unidade. Não só para defender o que se tem, mas para proteger o futuro. É preciso que se impeça que o mal se propague, fazer isso antes que se percam as condições legais e políticas, como escreveu a colunista Vera Magalhães no Estadão (26/02/2020).
Um presidente da República que vocaliza impropérios e prega a subversão aberta é um mapa para o golpe, uma estrada para a crise institucional. Impossível silenciar diante de tamanho acinte, que fere os Poderes da República e ataca a democracia naquilo que ela tem de mais forte, a representação popular e os espaços de diálogo.