Quando o despreparo dá o tom

hino charge Nani
Carta do ministro da Educação pedindo que as escolas promovam o Hino Nacional é uma exorbitância autoritária e um claro desvio de função. Ele voltou parcialmente atrás, mas deixou no ar a impressão de ser um estranho no ninho

Se alguma bobagem adicional precisasse ser cometida para que ficássemos preocupados com o futuro da nação, o ministro da Educação Vélez Rodriguez se encarregou de pô-la na mesa.

Não se tratou de uma bobagem qualquer. Antes de tudo, por ter sido forjada numa área estratégica, que alcança diretamente o conjunto da população, os jovens e crianças que, dentro de alguns anos, serão a base intelectual, moral e operacional da sociedade. Se o responsável pela Educação se dá ao luxo de propor uma absurda intervenção ideológica e político-partidária nas escolas do País, então é porque estamos carentes de limites e critérios.

É difícil imaginar o que passou pela cabeça de Sua Excelência ao pedir aos dirigentes escolares e professores que lessem aos alunos um besteirol como esse: “Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração”. Não satisfeito, acrescentou: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”, um mero slogan de campanha.

O ministro pediu, ainda, que após a leitura, alunos, professores e funcionários deveriam, compenetrados e com os olhos marejados de fervor patriótico, entrar em ordem unida para cantar o Hino Nacional. Alguns filmariam o rito e enviariam as imagens para controle dos órgãos governamentais.

Seria cômico e ridículo se não fosse trágico. É ridículo porque não pode ser levado à prática nas milhares de escolas do País, onde a missiva por certo gerou estupor e ironia. Não haveria nem sequer fiscais e controladores para exigir o cumprimento da ordem. É cômico porque expõe o ministro à execração pública e mostra seu despreparo. E é trágico porque se trata de uma exorbitância autoritária, de um escandaloso desvio de função, de uma demonstração clara de que no ministério da Educação não se tem uma pessoa preocupada com a educação, com a qualidade do ensino e a criação de condições para o desenvolvimento educacional, mas um propagandista e um agitador barato, interessado em fomentar desentendimento, congestionar o cotidiano escolar e bajular o presidente da República. Ou seja, precisamente tudo aquilo que não deveria integrar uma agenda ministerial.

Reações não faltaram, e foram expressivas. Mas nenhuma voz governamental procurou desautorizar a bravata. O ministro veio a público, no dia seguinte, dizer que errou ao pedir que filmem os alunos cantando o Hino. “Cantar o Hino Nacional não é constrangimento, não, é amor à pátria”, disse. E acrescentou: “O slogan de campanha foi um erro, já tirei, reconheci, foi um engano, tirei imediatamente. E quanto à filmagem, só será divulgada com autorização da família”.

É muito pouco. Ele mereceria bem mais que uma reprimenda presidencial: deveria ser afastado a bem do serviço público. Pois, se teve a ousadia de praticar um ato assim desequilibrado e desqualificado, é fácil imaginar o que mais poderá ser capaz de fazer.

O problema, evidentemente, não é o Hino Nacional, nem o civismo que deve constar dos curriculares escolares. Há legislação pertinente sobre isso, assentada na autonomia e no plano pedagógico das escolas. Hastear a bandeira e saber cantar o Hino é bacana e a escola pública brasileira sempre deu importância a isso, desde seus anos de ouro. O problema é de foco. Filmar crianças sem a devida justificativa e a devida autorização é crime, como falaram vários analistas. Um ministro da Educação que interage com o cotidiano escolar não tem o direito de errar no fundamental e desrespeitar a legislação. Sua missão é promover a educação, resolver problemas e contribuir para que as escolas se desenvolvam. Ou seja, mostrar serviço, articular uma política para a área. Não é criar confusão e pressionar alunos e professores. Muito menos fazer papel de bobo.

O atual ocupante da pasta é um estranho no ninho. O que contribui para que se compreenda sua propensão a atuar como um tiranete desarvorado.

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